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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Crítica de Cinema

Cineasta iraniano destila ironia contra a censura

Tiago Coelho - Do Portal

03/05/2012

 Arte sobre cartaz do filme / Jefferson Barcellos

Munido apenas de uma câmera e o apartamento em que vive como cenário, o premiado diretor iraniano Jafar Panahi acumula também a função de protagonista da nova investida. Ao lado do amigo e também cineasta Mojtaba Mirtahmasbe, expõe de forma clara e tocante sua visão sobre o autoritarismo do governo do Irã no documentário “Isto não é um filme” (“In Film Nist”), que estreou no Brasil na última sexta-feira (27/04).

Trata-se, como Pahini esclarece, dos “bastidores de um não-filme”. Em tom corajosamente provocativo, revela desmandos do governo iraniano, que confiscou os rolos do filme em produção – supostamente uma propaganda contra o regime. Um terço já havia sido gravado. Pahini foi proibido de filmar por 20 anos, mas resolveu narrar diante da câmera operada por Mojtaba Mirtahmasb o roteiro do filme que não pôde fazer. A história embargada pela administração de Mahmoud Ahmadinejad se chamaria “Diário de uma jovem”, baseado num conto de Tchekhov. A jovem em questão desafia os pais quando decide estudar artes numa universidade e se apaixona por um rapaz sem o consentimento familiar.  

Jafar Pahini destila ironia para evidenciar a lei do silêncio que vigora no país: “Posso não fazer o filme, mas não estou impedido de ler o roteiro, graças a Deus”. No carpete da sala, ele marca com fita adesiva o que seria o cenário da casa da jovem, fazendo com que o espectador imagine como teria sido.

Tudo no documentário aponta contra o anacronismo autoritário. Contrasta tradições com o novo que se revela no apartamento high-tech de Pahini. O cineasta combina, por exemplo, o moderno celular com que captura algumas imagens, a ideia que faz de liberdade, o enfrentamento da censura à arte, vítima recorrente de autoritarismos.

A narrativa flui calma, sem pressa, com o ritmo característico do cinema iraniano, mas não perde em tempo algum o espírito de inquietação. Os planos são longos e contemplam a solidão do diretor que vive em um exílio dentro da própria pátria, sem poder sair de casa e sem o apoio dos amigos cineastas, que se recolheram com medo de represálias.

O diretor do premiado “Offside”, no entanto, não se põe no papel de vítima. Sabia os riscos que corria fazendo este cine-provocação, e o fez desafiando os limites do poder vigente. A cena em que Jafar Pahini, tentando não ser visto, observa de dentro do prédio a animação do povo na rua iluminada pelos fogos de Ano Novo é emblemática: representa o cerceamento da liberdade que persiste no país, mas também a esperança que surge nas ruas. O resultado desse embate lhe rendeu seis anos de prisão, porém abre uma janela para melhor enxregar o mundo e o mundo melhor enxergar.

Prisão do cineasta deflagrou protestos mundo afora

O renomado diretor iraniano Jafar Pahini "supreendeu-se", no ano passado, ao ver a casa invadida por oficiais do governo e o filme que produzia, confiscado. Ele foi condenado a seis anos de prisão e a 20 anos sem fazer filmes. A sentença proferida pelo Irã acusa Pahini de “cometer crimes contra a segurança nacional do país e propaganda contra a República Islâmica”.

A prisão do cineasta ganhou caráter de perseguição política e despertou no mundo, inclusive no Brasil – e na PUC-Rio –, manifestações pela libertação. Cineastas, artistas, escritores, estudantes se uniram em torno do clamor pela liberdade de expressão. Em 2009, Jafar Pahini apoiou abertamente Hossein Mousavi, candidato opositor a Ahmadinejad na corrida presidencial do Irã. O diretor que tem em seu currículo um Urso de Prata do Festival de Berlim e um Leão de Ouro do Festival de Veneza, realizou o documentário “Isto não é um filme” com a intenção de chamar a atenção para arbitrariedades cometidas no seu país.