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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cidade

Show de Seu Jorge anima dez mil pessoas no Dia de Zumbi

Caio Lima e Ligia Lopes - Do Portal

23/11/2011

 Ligia Lopes

Famílias com crianças, casais e até gringos com cangas esticadas curtiram o ensolarado domingo, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, na Quinta da Boa Vista. À noite, um público de dez mil pessoas acompanhou o show de Seu Jorge, que contou com a participação de grandes nomes da música brasileira como Caetano Veloso, Zeca Pagodinho, Sandra de Sá e Racionais MC’s, que subiram ao palco montado no coração de São Cristovão para a gravação do DVD do anfitrião.

O produtor cultural Raphael Faria, 30 anos, sentia uma sensação especial. Era seu último trabalho como coordenador cultural da Central Única das Favelas, que realizou o evento em parceria com a prefeitura do Rio. Como cidadão negro, Faria comentou a respeito da data, dia da morte de Zumbi dos Palmares, maior símbolo da luta negra contra o preconceito no Brasil:

 Ligia Lopes – É importante, até porque o Brasil tem 80% de sua população com alguma mestiçagem negra. Mas o povo brasileiro ainda precisa refletir que não adianta um dia específico se as pessoas não se conscientizarem sobre a questão. Todo dia é dia para se conscientizar. Não acredito que esse dia 20 seja apenas para comemoração dos negros, mas sim de todos, brancos, pardos, índios, que devem lutar juntos por uma sociedade mais igual, cultural e socialmente.

Faria acredita que o preconceito racial está diminuindo, graças a ações como a Lei 10.639/2003, que implementou o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas e criou o Dia da Consciência Negra.

Numa pequena tenda montada do lado oposto ao palco principal, algumas pessoas se aglomeravam para curtir o samba da banda Batuk D’Gueto, ganhadora do prêmio Favela Festival, organizado pela Cufa, cuja final foi disputada nos palcos do programa Domingão do Faustão, da Rede Globo.

Entre os que arriscavam o samba no pé estava o gari Alessandro de Souza Carneiro, 34 anos, que entre uma varrida e outra mostrava seu talento artístico. Para ele, que considerou um privilégio poder ser escalado para trabalhar em um evento como o de domingo, o Dia da Consciência Negra tem uma importância educacional:

– Serve para mostrar a história para muita gente que a desconhece. Hoje, por exemplo, temos muitas crianças na Quinta da Boa Vista que ainda não sabem sobre esse passado de injustiças.  Ligia Lopes

Carneiro lamentou não poder aproveitar a oportunidade de assistir às grandes atrações do palco principal, porque tinha que voltar para casa. Sua mulher, que não conseguiu ir ao evento, estaria à sua espera.

– Ela não gostou muito de me ver sair para trabalhar em um evento grande como esse. Mas, com a energia do ambiente, vou passar as boas vibrações para ela quando chegar em casa (risos) – afirmou com entusiasmo o gari.

 

 Ligia Lopes Já as amigas Rojane Olano, 25 anos, e Mirena Carmo, 29, ambas moderadoras de marketing, destacaram a diversidade do público na Quinta da Boa Vista. Segundo elas, o clima de confraternização que prevaleceu no evento é o mais importante. Sobre racismo, Rojane lembrou que muitas vezes sofrem preconceito de pessoas que nem são racistas.

– Às vezes as pessoas agem querendo fazer o bem, mas não veem que estão sendo preconceituosas. Não muito tempo atrás, fui a uma lanchonete e, quando aguardava na fila, uma senhora veio me oferecer um lanche achando que eu estava ali justamente com intuito de receber a doação de alguém – relatou.

Para Mirena, o caso da amiga é só mais um dentro de um livro que poderia ser escrito com passagens de preconceitos sofridos por elas. A moderadora de marketing acredita que o Brasil tem que olhar além da cor:

– Temos uma vida além da cor da nossa pele. Mas faltam políticas mais eficazes para combater o racismo. Os políticos tem que saber que o crescimento de um país vem de baixo e, se vem de baixo, merecíamos mais respeito.

Outros grupos que também são alvos de preconceito, estiveram presentes no evento. O homossexual Felipe Pimentel, 21, estudante de educação física, disse que percebe mais discriminação aos negros do que aos gays.  Caio Lima

– Acho que essa a única época em que as pessoas lembram dos negros. Ainda há muito preconceito, inclusive dos próprios negros. Ter um dia da Consciência Negra é a maior prova disso. Como homossexual, sofri mais preconceito por parte da minha família, mas depois ficou tudo bem. Na faculdade, o que falam comigo é brincadeira.

Show

Ao cair da noite, começou a música na estrutura montada no parque. Com 40 minutos de atraso, a gravação do novo DVD do Seu Jorge, nomeado de Músicas para churrasco, foi o carro-chefe da festa, que durou cerca de três horas. Primeira a subir no palco, a filha de Seu Jorge, Flor de Maria, cantou três músicas com o pai.

 Ligia Lopes Alexandre Pires foi o primeiro convidado a dividir o palco com o cantor. Muito sorridente, declamou um verso:

– Zumbi dos Palmares não é fantasma que vaga na noite, é a consciência negra viva hoje.

Seu Jorge se referiu ao ambiente do show como um lugar onde prevaleceu a "informalidade negroide", a exemplo da mesa de bar colocada no palco quando Zeca Pagodinho entrou para cantar a música "Meu parceiro".

Entre os estilos musicais, prevaleceu o samba. No entanto, outras músicas de origem negra também ganharam destaque, como o Rap dos Racionais MC's e o funk do Bonde do Passinho.