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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Crítica de Cinema

'Árvore do amor' se impõe como autêntico e belo melodrama

Miguel Pereira * - Do Portal

21/11/2011

 Divulgação

Um melodrama, no sentido mais autêntico do termo, "A árvore do amor", do consagrado cineasta chinês Zhang Yimou, é um exercício cinematográfico, belo e comovente, da história de um amor jovem, nascido em tempos adversos. A grandeza dessa trama simples reside, exatamente, na valorização dos atos cotidianos como forma poética de ser e existir no mundo. Não importa se o que está à volta é bom ou ruim. Vale o ato em si, transfigurado, por sua intensidade e desejo, num sentido mais íntimo e profundo da vida. Assim, o melodrama é batizado por uma história de encantamento e deslumbre em meio à Revolução Cultural chinesa e seus ideais comunistas, hoje cada vez mais descontruídos.

Nesse ambiente, onde cortar e montar caixas de papelão pode ser um adicional ganha-pão da família de um prisioneiro político, a vida torna-se um calvário, amenizado pela infância inocente, a paixão juvenil e as paisagens camponesas. O cineasta também não se furta a críticas sutis ao processo político chinês, pontuando, aqui e ali, a sua narrativa com atitudes de condenação ao comportamento de certos militantes com discursos autoritários e às consequências de um tipo de trabalho estratégico, mas altamente nocivo à saúde.  

Zhang Yimou carrega ainda o simbolismo de um espinheiro que, diz a lenda, em vez de flores brancas, fica carregado das vermelhas, por tanto sangue derramado durante o conflito sino-japonês na montanha onde, imponente, se destaca. É um monumento da natureza que expressa, pela beleza, o sentido do sofrimento, e, ao mesmo tempo, sela um amor puro que se dá sem nada em troca. Mas, como todo bom melodrama, "A árvore do amor" segue todas as marcas do gênero. Zhang Yimou, no entanto, imprime o seu estilo sofisticado de construir imagens imponentes e dissecar os sentimentos com a maestria de um cirurgião preciso e mágico.

Em momento algum o filme resvala para a pieguice ou o simplismo das relações. Por mais ingênuas que possam parecer certas passagens entre as adolescentes e mesmo o devotamento do jovem namorado à sua amada, o filme transparece dignidade e verdadeiro sentido da busca do bem do outro, como o amor deve ser. Dito assim, parece até que o filme é de um cristão e não de um comunista, se é que Zhang Yimou ainda o é. De qualquer modo, "A árvore do amor" é um puro e absoluto melodrama, do mesmo modo que "Melô", de Alain Resnais, que, ao se aventurar nesse gênero tão complexo e traiçoeiro, realizou também um belo filme, embora bem diferente em sua abordagem canônica.

A inspiração do filme parece ter sido uma história verdadeira. Mas, independente disso, Zhang Yimou desenhou sentimentos e emoções com a elegância e os traços de um esteta da sétima arte.

* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.