Inspirado em um conto galego que sua mãe lhe contava na infância, o curador de arte Gerardo Mosquera intitulou um dos seus livros como Caminar com el diablo. Segundo Mosquera, o diabo simboliza a cultura hegemônica ocidental, em contraposição às culturas locais e particulares. A relação entre a arte e a globalização foi o tema principal da palestra Caminando com el diablo, realizada na noite de segunda-feira, dia 7, na PUC-Rio, tendo o curador como palestrante principal, recebido pelo professor de Filosofia da PUC-Rio Luis Camillo Osorio e pelo curador da Casa Daros, Eugenio Valdes.
O cubano relaciona o novo status da arte latino-americana à globalização. Segundo Mosquera, novos atores surgem com o crescimento do circuito das artes, indicado pelo aumento no número de bienais, por exemplo. Para defender seu ponto de vista, ele propôs a observação de uma fotografia de Juan Downey, Yanomami, de 1976 (foto).
– Nesta foto se observa um índio com uma câmera. Nela, ocorre um deslocamento da visão: aquele que normalmente é objeto de estudos antropológicos agora é ator. A hegemonia de modelos na arte está mudando. No passado, se contava nos dedos o número de artistas nas grandes bienais. Hoje, recebo informações por e-mail sobre exposições de artistas que nem conheço, apesar buscar estar sempre atualizado. O pior: nem sei pronunciar seus nomes, pois vêm de línguas muito diferentes!
O curador disse ainda que uma das evidências de que novas linguagens e temas estão invadindo as artes é que, no passado, os curadores não saíam de Nova York e Paris para conhecer as obras. Hoje, têm que se deslocar para achar novos artistas, em lugares antes impensáveis, como a América Latina e a Ásia. E, muitas vezes, se deparam com artistas que aprenderam sobre arte contemporânea na internet, outro fenômeno que comprova a nova realidade das artes no mundo.
Mosquera é um dos principais representantes da arte latino-americana, tendo criado a Bienal de Havana em 1984 e trabalhado na curadoria de grandes exibições na América Latina, como Transpacífico (2007) e Panorama da Arte Brasileira (2005). A arte da latino-americana é o foco da Casa Daros, projeto da instituição Daros-Latinamerica, museu em Zurique, Suíça, que tem a maior coleção de arte latino-americana do mundo. Em 2012, será inaugurada a sede da Casa Daros em Botafogo, onde serão realizados debates e outros projetos.
Apesar da arte de países como Brasil, Peru e Nicarágua estarem ganhando mais espaço no mundo contemporâneo, Mosquera afirmou que um mundo globalizado ainda expõe problemas da desigualdade.
– A globalização é mais global para uns que para outros. Ela gera grandes zonas de silêncio, daqueles não conectados. Por isso, é importante a integração Sul-Sul, pois isso pulverizaria as culturas e daria voz a essas zonas de silêncio.
Mesmo sendo um termo comum no meio cultural, Valdes chamou a atenção para a dificuldade de definir a arte latina:
– A arte latino-americana é um termo indefinido e amplamente debatido. É complicado definir o termo pela diversidade dos países incluídos. Cada país tem um processo histórico diferente, assim como povos e modelos econômicos adotados.
Luís Camillo Osório complementou:
– É importante pensar que a discussão sobre a arte latino-americana é importada. Ela começou a acontecer em centros acadêmicos estrangeiros, assim como em museus e casas de leilão de fora. Precisamos definir estratégias para manter e difundir essa arte.