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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Economia

"Agora são as empresas que passam a ter países"

Thaís Bisinoto - Do Portal

17/11/2011

 Jefferson Barcellos

O ambicionado crescimento sustentado exige mais do que uma vitablidade econômica capaz de resistir às turbulências externas. A receita combina, na avaliação do presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, modelo avançado de educação, reforma previdenciária e outros ajustes às mudanças demográficas, especialmente ao envelhecimento da população. No seminário organizado pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio sobre as "perspectivas do desenvolvimento brasileiro", Pochmann alertou também para a importância de valorizar as "atividades do pensamento", fontes estratégicas de expansão, e de os governos tomarem cuidado para não virarem reféns de grandes corporações.

"A Petrobras é do Brasil ou o Brasil é da Petrobras?", instigou o professor, ao observar que o PIB da empresa já supera o da Argentina e ao ressaltar que as 500 maiores empresas do mundo equivalem a 50% do PIB global. Para o doutor em economia pela Unicamp e professor desta universidade, as grandes corporações podem até ameaçar a democracia, pois "financiam partidos políticos e excluem a competição com outras empresas": 

– A democracia está em xeque do ponto de vista da forma de organização do grande capital, quando países são menores do que empresas. Essas empresas são tão grandes, que não podem quebrar, porque podem levar à falência o sistema econômico. Assim, a própria natureza do capitalismo fica ameaçada: a competição – argumentou.

De acordo com Pochmann, tais corporações têm fundido seus interesses com os "bolsos públicos", o que provoca mudanças inclusive na área educacional, com as chamadas universidades corporativas. São instituições de ensino técnico e superior, vinculadas a empresas privadas ou públicas que têm por objetivo capacitar e qualificar os empregados. Nos EUA, as "universidades empresariais" já são mais numerosas do que as tradicionais. No Brasil, os recursos por elas alocados equivalem, ainda conforme o professor, a 1% do nosso PIB, "basicamente 25% de tudo o que o Brasil gasta com educação". 

Ele comparou os custos nacionais do gênero com o aplicado, por exemplo, pela Petrobras na capacitação profissional. Segundo ele, o Brasil gastou no maior programa deste tipo, financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cerca de R$ 140 milhões, enquanto a Petrobras desembolsou R$ 400 milhões com a qualificação dos funcionários.

– As grandes corporações estão reorganizando o sistema educacional ao seu interesse – enfatizou.

 

Ajustes à tranisção demográfica

 O caminho do desenvolvimento sustendado exige mais do que um investimento avançado em educação. Segundo Márcio Pochmann, é necessário, em princípio, considerar a transição demográfica pela qual o país passará em médio e longo prazos. Ele prevê uma “redução dramática” da população: a mulher brasileira tem média de 1,7 filho, enquanto a mulher branca, com melhor nível de escolaridade, tem 0,9 filho, ou seja, "não repõe mais". Pochmann mostrou-se preocupado com a população idosa e os adiamentos sistemáticos de uma reforma previdenciária:

– Como o envelhecimento será financiado? Hoje, a metade do gasto social brasileiro é financiada com a Previdência. De 23% do PIB gasto com a área social, 11,5% vai para a Previdência. Se não for financiado, dificilmente teremos uma situação melhor do que hoje. Possivelmente, entraríamos em um quadro de envelhecimento preocupante. Os ajustes a esse quadro demográfico são absolutamente fundamentais na reorganização do país.

Para o professor, é igualmente importante "entender as mudanças no interior do trabalho, ou seja, onde as pessoas trabalharão e quais serão as fontes de riqueza do país". Segundo ele, 70% dos postos de trabalho estão ligados ao "imaterial". São as atividades de pensamento, nas quais os países desenvolvidos se concentram.

– O país crescerá para o lado da "fama" (fazenda, mineração e maquiladoras) ou do "vaco" (valor agregado e conhecimento)? Hoje, 14% dos jovens brasileiros, de 18 a 24 anos, estão matriculados em universidades, enquanto no Vietnã 34% estão cursando o ensino superior, com planos de alcançar 70% – comparou Pochmann.

A construção de "um novo e moderno Brasil" também exige, na opinião do presidente do Ipea, uma reforma agrária, "feita por todos os países desenvolvidos". Foram criadas, de acordo com ele, “cidades que ainda hoje são acampamentos, com ausência de sistema de transporte público e saneamento”. Outra reforma essencial, arrematou Pochmann, é a tributária. "Constituímos uma sociedade que se modernizou, mas trouxe traços do passado", ponderou.

 

Construção de uma nova ordem mundial

O professor da Unicamp alertou, ainda, para uma “incapacidade da governança para dar conta do surgimento de outro mundo, multipolar”. Para ele, a Organização das Nações Unidas (ONU) “tem falhado em exercer a governabilidade mundial” e faltam instituições de caráter econômico "poderosas para enfrentar os problemas e a crise econômica mundial".

Pochmann acredita que "a constituição dessa nova ordem mundial, com centralidades regionais" vai gerar conflitos. Duas gerras se sucederam ao deslocamento do poder econômico mundial da Inglaterra para os Estados Unidos, lembrou ele.

Na avaliação do professor, Europa e Estados Unidos estão se transformando em “economias ocas”, sem base industrial, substituídas pela Ásia. Segundo Pochmann, esta é uma das razões para a permanência dos países europeus e dos EUA na crise: “Eles não têm mais grande base industrial local”, o que faz crescer os números de desigualdade, pobreza e desemprego.