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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Sergio Bruni, um prolífico contador de casos

Caio Lima - Do Portal

01/11/2011

 Ligia Lopes

"Sempre fui um bom contador de casos", define a si mesmo o vice-reitor para Assuntos de Desenvolvimento da PUC-Rio, Sergio Bruni, que nesta terça-feira, 1º, lança Gritos grisalhos (Léo Christiano Editorial, 77 páginas), das 17h às 20h, na bolha poética da Cátedra Unesco da universidade. O autor, que descobriu sua veia literária há relativamente pouco tempo – sete anos –, tem mantido desde então um ritmo intenso. Este é o seu 12º livro, o terceiro só em 2011, produção que chama a atenção de escritores e não escritores. "Escrever me dá prazer, eu me divirto. O negócio é estar sempre sintonizado", diz Bruni. O novo trabalho brotou depois das chuvas que devastaram a Região Serrana do Rio, no início do ano, que ele próprio testemunhou, e da tsunami que arrasou o Japão, desastres que o levaram a escrever sobre a fragilidade humana.

Nascido no sertão baiano, o autor, que já morou em 29 cidades (incluindo Assunção, no Paraguai, e Paris, na França), considera que o mais importante ao escrever um livro é passar sua própria vivência ao leitor. Em entrevista ao Portal, Bruni fala sobre a infância no sertão e sua influência para a vida literária, seus livros infantis, sua rotina e planos para o futuro.

Portal PUC-Rio Digital: O senhor está lançando Gritos grisalhos, seu terceiro livro este ano. Ao lançar o livro anterior, Estribos de afetos e esporas de sonhos, em agosto, o senhor antecipava que este seria uma reflexão sobre a maneira em que vivemos no mundo. Conte mais sobre o novo livro.
Sergio Bruni: Gritos grisalhos começou com a catástrofe da Região Serrana. Estava lá e vivenciei todo o sofrimento. A região onde eu estava teve muitos problemas e morreram muitas pessoas, até amigos. Eu e mais um grupo andamos por quatro horas pela mata com um facão para poder chegar à BR. Naquela situação, resolvi escrever sobre a questão de Teresópolis em prosa poética, para não ficar uma obra muito amargurada, para deixá-la mais lírica. Depois, teve a tsunami no Japão. Também escrevi algo e resolvi voltar ao passado e ler sobre o terremoto de Lisboa (1755) e até Timeu e Crítias, de Platão, sobre o desastre de Atlântida. Então, dei uma embaralhada e tratei de todos esses temas numa linguagem mais poética, mostrando o quanto somos frágeis. O que para nós é uma realidade do dia para a noite pode virar uma lembrança. Para não fazer uma obra amarga, procurei mostrar que sempre há um lado mágico, lúdico, nas coisas.

Portal: Gritos grisalhos é seu 12º livro publicado, em sete anos de produção. Como começou essa fome por escrever e publicar livros literários?
Bruni: Na verdade, sempre fui um bom contador de casos. Todos me pediam para contar diversas histórias. Então, resolvi escrever um livro para as crianças do sertão baiano (Rumãozinho e poeira, encapetando Ouriçangas), no qual conto sobre uma antiga lenda da região que as crianças de Ouriçangas praticamente não conheciam. A partir daí, escrevi alguns livros mais sérios, como Vatapaenses vasos comunicantes, que chegou a ser finalista de Prêmio Jabuti. Fiz também um livro em história em quadrinhos, que é outra linguagem e estética, e acabou sendo adotado por diversos colégios, como o Santo Inácio, no Rio. Fui a esses colégios para falar com a garotada, o que é muito interessante, porque tem uma resposta legal. Não é resposta financeira, porque não escrevo para ganhar dinheiro.

Portal: E como o senhor explica a alta frequência nas publicações?
Bruni: Escrever me dá muito prazer. Depois que você começa a ter uma vida de escritor, você fica mais atento, o que acaba facilitando a produção. A leitura faz parte do meu dia a dia. Além de escrever, leio pelo menos duas horas por dia sobre temas mais variados possíveis, não necessariamente sobre o que estou escrevendo no momento. Outro ponto é que escrevo muito na base da observação. Às vezes sento em algum banco do pilotis para escrever, chega alguém da limpeza do lado falando no celular coisas mais absurdas possíveis e penso: “Opa, aqui pode sair uma história legal”. Eu me divirto. O negócio é sempre estar sintonizado.

Portal: O que o senhor busca transmitir aos leitores em seus livros?
Bruni: Como cada livro é escrito de uma forma diferente (prosa, poesia, contos, fábulas), o que procuro passar ao leitor é um pouco da minha vivência, que se deu em grande parte no Nordeste, no sertão da Bahia. A vivência até os 10 anos foi numa cidade sertaneja, então incorporei as questões do São João, das danças típicas, das cantorias. Depois, morei em outras 29 cidades no Brasil e no exterior. Gosto de trabalhar a linguagem e escrever gêneros diferentes como prosa, poesia, contos, fábulas, para não ficar uma coisa homogênea.

 Ligia LopesPortal: Conte mais sobre a constante mudança de moradias e como influenciou na sua vivência, que é transmitida em seus livros.
Bruni: Meu pai era militar, por isso morei em vários lugares como São Paulo, Rio, Belém, Roraima, onde fui secretário de Educação e Cultura e até governador interino, em Paris, Assunção... Todos os lugares por onde passo, quero entender um pouco da cultura local, e é isso que eu acho bacana: me misturar com as pessoas. Sempre que posso, procuro visitar um local do interior para ver as pessoas, seus jeitos, hábitos. É fantástico.

Portal: Como foi sua infância no sertão baiano? Por que ela influencia tanto sua produção literária?
Bruni: Vivi no sertão da Bahia, em Ouriçangas, cidade de colonização canadense. A escola primária era bilíngue, aprendia-se inglês e francês. Meu avô era fazendeiro e todos transitavam soltos no mundo, pois ali todos são iguais. Montava a cavalo, comia jaca, estudava na escola pública local. As festas de São João e Natal eram mágicas. Por isso, os 10 anos iniciais da minha vida nunca deixaram de ser a minha praia no dia a dia do pensamento. A reflexão vem a reboque com vivência em locais onde há falta de água, problemas escolares sérios, alimentação deficiente para as crianças. Mas por outro lado tem uma cultura fantástica, não só pelo lado místico como pelo cultural, música, folclore, danças, literatura de cordel.

Portal: Falando em infância, o senhor tem alguns livros voltados para o público infantil. Quais são as dificuldades e soluções?
Bruni: Não é nem mais difícil nem mais fácil. É completamente diferente, pois é preciso pensar como criança e ter uma autocensura. Eu tenho dois filhos pequenos, uma menina de 12 e um menino de 10, e dois maiores, de 30 e 26 anos. Os dois menores são meus consultores. Eu escrevo e passo a eles, que dão seus palpites e vou ao texto e mudo. Essa linguagem é uma ida e vinda dessa conversa com eles, que fazem muito essa mediação. Eu tenho uma consultoria gratuita em casa (risos).

Portal: O senhor tem um cargo importante na PUC, que concilia com a vida de escritor. Como é sua rotina? Quando encontra tempo para escrever?
Bruni: Dedico meu dia à PUC. Chego às 8h e saio às 18h. Mas meu horário de almoço, de uma hora e meia, é sagrado. Sempre desço no pilotis, procuro um banco na sombra, como um sanduiche rápido e ganho uma hora e meia para escrever minhas abobrinhas, sempre à mão. Em casa, à noite, passo a limpo o que escrevi na hora do almoço e, no fim de semana, reviso o que escrevi durante a semana. Se me chamam para almoçar em tal restaurante não vou, porque é a hora que faço o que me dá prazer. Tem gente que prefere almoçar bem, eu prefiro escrever.

Portal: O que mais o atrapalha no momento em que está fazendo o primeiro registro, como disse, a caneta e papel e na hora do almoço?
Bruni: O telefone. Nessa hora e meia, boto os dois celulares no silencioso e saio da sala. Se ligarem, retorno depois. No começo eu ficava atendendo. Resultado: ficava o horário de almoço inteiro atendendo chamadas, o que já faço o dia inteiro. Na sexta-feira, depois das 18h eu desligo o celular e só ligo segunda-feira de manhã. Não precisava no passado, por que preciso agora?

Portal: O que o senhor faz nos fins de semana?
Bruni: O fim de semana é dedicado aos meus filhos, à literatura. Vou a algum espaço cultural, vejo um bom filme no cinema, essas coisas. Se não for assim, a vida não tem graça. Não dá para ficar trabalhando sábado e domingo.

 Ligia Lopes Portal: Quais os seus planos futuros, tanto na vida literária quanto na Vice-Reitoria?
Bruni: Estou escrevendo um novo livro, Anotações com migalhas de velocípedes, que resgata meus 10 primeiros anos de vida, vou contando sobre fazendas, casas, pessoas com quem convivi. É uma busca sentimental do passado. Acho que em oito meses estará finalizado, mas ainda vou ver se vale a pena publicá-lo. Nem tudo o que escrevi foi publicado. Quanto à Vice-Reitoria, estamos com uma série de atividades. Estamos trabalhando junto com a Cátedra Unesco para tentar criar um Instituto de Leitura da PUC. Temos um projeto para criar um parque socioambiental e cultural para a Gávea, para tentar requalificar o espaço do bairro. Temos também o Campus de Tinguá, em Nova Iguaçu, que está sendo estruturado. Fora o dia a dia, que são as obras do prédio da Petrobras (no estacionamento), do metrô, que são assuntos da reitoria. Mas não sou de fazer muitos planos. Cada dia com a sua agonia, não devemos pensar muito no futuro. Basta ser responsável.