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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Um festival de cinema sempre perto de você

Mariana Alvim - Do Portal

27/10/2011

 Arquivo do Portal

“Tem festival de cinema até na esquina da Nossa Senhora de Copacabana com Barata Ribeiro. Tem todo dia, em qualquer lugar”, exagera o professor de cinema da PUC-Rio Pedro Camargo. Mas ele tem razão: é consenso entre os profissionais da área de cinema que o número de festivais dedicados à sétima arte se multiplicou nos últimos anos. No Brasil, com o caminho aberto pelos festivais de Brasília, em 1965, e de Gramado (RS), de 1969, consolidaram-se a Mostra Internacional de São Paulo, que realiza no momento sua 35ª edição, e o Festival do Rio, cuja 13ª edição acaba de terminar. A estes se juntaram o Cine-PE, em 1996; o de Tiradentes (MG), em 1997, e o de Paulínia (SP), em 2008, só para citar alguns.

Parte dessa expansão pode se dever à segmentação dos festivais, uma tendência mundial. Além dos tradicionais, como Cannes e Roterdã, existem hoje mostras dedicadas a diferentes tipos de produção cinematográfica. Os documentários são contemplados em festivais como IDFA, na Holanda, ou o Hot Docs, no Canadá. Para os curtas-metragens há o Clermont-Ferrand, na França, e o Oberhausen, na Alemanha. Há ainda os dedicados às animações, aos filmes de terror e ao cinema infantil. E aqueles que reúnem a produção local, como o Tribeca, criado em 2002 para revitalizar Nova York depois dos ataques de 11 de Setembro, hoje um dos mais conhecidos nos Estados Unidos. No Brasil, são exemplos dessa segmentação o Festival Internacional de Cinema Infantil (Fici) e o Amazonas Film Festival, voltado para natureza e aventura. A próxima edição começa na próxima quinta-feira, 3 de novembro, com Xingu, de Cao Hamburguer. Divulgação

O que diferencia os grandes dos pequenos festivais é o volume de filmes exibidos, a cobertura dada pela imprensa e a promoção de negócios em meio ao evento. É consenso entre especialistas em cinema que os maiores do mundo são Cannes, Veneza e Berlim, seguidos de Toronto e Sundance. Mas sua influência já não é unanimidade. O professor de cinema da PUC-Rio Hernani Heffner questiona a importância dos festivais classe A no cinema mundial. Para ele, Cannes e Veneza não conseguem mais atrair realizadores decisivos como nos anos 60, quando Michelangelo Antonioni e Luis Buñuel participavam de discussões no festival francês. E a grande midiatização e mercantilização destes eventos levaria a um desvio de atenção do cinema para outras questões, como os negócios e o voyeurismo

 Divulgação – Cannes é uma máquina de negócios, que produz muito dinheiro, por exemplo, com o turismo. Muitas vezes, o filme importa menos que as celebridades. Na última edição, importou mais a declaração polêmica do Lars von Trier, que realmente foi grave, do que o seu filme, Melancolia, que tem muito a ser discutido – analisa Heffner, referindo-se à declaração do diretor dinamarquês, que se declarou simpático ao nazismo e a Hitler. O festival francês costuma convidar personalidades do cinema para participar do seu júri, como Robert De Niro, Uma Thurman, o cineasta africano Mahamat Saleh Haroun e Jude Law (foto), que integraram a comissão em 2011.

O crítico de cinema Pedro Butcher, editor do site Filme B, especializado no mercado cinematográfico, acrescenta:

– Depois das Olimpíadas, Cannes é o evento mais midiatizado do mundo. O festival recebeu mais de 4 mil profissionais da imprensa na última edição. Ao mesmo tempo, há festivais de pequeno porte bastante influentes, como o de Telluride, nos Estados Unidos, que não permite o credenciamento de jornalistas.

O produtor e diretor de cinema Cavi Borges, que costuma lidar com festivais para inscrever filmes de sua produtora, a Cavídeo, conta que a participação nestes eventos faz parte da estratégia de divulgação do filme. A maior parte das mostras internacionais tem como pré-requisito o ineditismo. O produtor ou diretor ainda deve avaliar em qual festival sua obra se encaixa melhor, e quais as reais chances de ser premiado.

 A primeira exibição define o caminho de um filme. A produção do Almodóvar, por exemplo, ficou em dúvida se exibia A pele que habito em Cannes, pois uma repercussão negativa poderia influenciar a bilheteria do filme. Já para Woody Allen, era interessante exibir Meia-noite em Paris no festival francês – exemplifica Cavi, acrescentando que participar de um festival classe A não garante o sucesso de um filme.

DivulgaçãoMas ajuda. Assim como ela, curta dirigido por Flora Diegues e produzido por Carlos Eduardo Valinoti (foto) na PUC-Rio, está tendo a carreira estimulada pela presença em festivais, como atesta Valinoti.

– Os festivais são uma janela para os curtas e até para os longas. No caso dos curtas, é uma das principais janelas. Muitas vezes um filme não tem distribuidora e você encontra vários distribuidores e exibidores nos festivais que podem trabalhar com o seu filme. E um festival chama o outro – conta o produtor, cujo filme passou pelo Cine Fest Petrobras de Nova York e pelo Brazilian Film Festival de Miami, antes de ser selecionado para a Première Brasil de curtas de ficção do Festival do Rio 2011.

Para o cineasta Eduardo Valente, assessor internacional da Agência Nacional do Cinema (Ancine), o que define a participação de filmes em festivais muitas vezes é a proximidade das datas de conclusão da obra e a do festival mais próximo. Valente explica ainda que filmes revelados por grandes festivais costumam ganhar fôlego em festivais especializados e regionais. Por outro lado, cineastas revelados por este tipo de evento costumam chamar a atenção dos grandes festivais. 

Entretanto, segundo Heffner, grandes festivais como Veneza e Cannes não revelam novos cineastas há tempos. Ele exemplifica o caso do diretor iraniano Abbas Kiarostami, que produz desde a década de 70, mas só teve seus filmes exibidos em Cannes nos anos 90. De acordo com o professor, os curadores dos festivais de Locarno e Roterdã prezam mais pela busca de novas “pérolas”. Opinião diferente tem a produtora de cinema Sara Silveira, outra que participa ativamente de festivais internacionais levando os filmes que produz, como Girimunho, de Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina, exibido em Veneza e no Festival do Rio deste ano: Divulgação

 Os grandes festivais vão atrás dos novos talentos, pelo mérito de terem revelado aquela pessoa.

Para o professor Pedro Camargo, é importante entender como nasce um festival, que pode ser fruto de motivações mercadológicas ou de puro amor à arte. Segundo Camargo, Cannes foi criado para discussão e contemplação do cinema, já que não era possível competir com o Oscar, que sempre teve o papel de premiar grandes produções.

Hoje Cannes é um festival eclético, pois consegue reunir pessoas como Alain Resnais e Claude Lelouch. É eclético também pois tem diversos prêmios, como o Grand Prix, o Un Certain Regard e a Palme d’Or. Mas tem gente que repudia o prêmio – afirma Pedro.

Em debate da 1º Semana de Cinema da PUC-Rio, no último dia 18, o produtor de cinema Marcos Didonet destacou que, embora os festivais classe A contem com grandes produções, 70% a 80% dos filmes que participam dos festivais são independentes. O debate, que tinha como tema Seu filme na tela: a importância dos festivais, contou com a presença de Cavi Borges e do produtor do Curta Cinema, Aílton Franco Jr, além de Didonet.

Acaba de estrear, simultaneamente no Brasil, na Argentina, na Colômbia, na Espanha e no México, o Festival 4+1. Serão exibidos, até este domingo no Centro Cultural Banco do Brasil, 14 filmes de nacionalidades diversas que rodaram os principais festivais de cinema do mundo, como Nostalgia da luz, de Patricio Gusmán; Outrage, de Takeshi Kitano; e Belle Épine, de Rebecca Zlotowski. 

Para entender melhor os festivais

Como são conhecidos alguns dos festivais de cinema do mundo:

Festival de Cannes: Recheado de glamour, serve como alavanca para filmes e carreiras de diretores. As sessões são restritas aos profissionais da área, como distribuidores, críticos e diretores. Além das mostras principais, como Longas-Metragens em Competição e o Un Certain Regard, há mostras paralelas como a Semana da Crítica e a Quinzena dos Realizadores.

Festival de Veneza: É o mais antigo e passou por uma decadência, atribuída à proximidade de datas com o Festival de Toronto. Segundo o cineasta Silvio Tendler, professor da PUC, “ninguém briga por Veneza”. Para Pedro Butcher, porém, o festival recuperou sua importância recentemente. Na opinião do professor Hernani Heffner, Veneza se fortaleceu através da midiatização e aproximação às grandes produções.

Festival de Berlim: Conhecido por exibir muitos filmes ao público. Segundo Cavi Borges, é um meio-termo entre o cinema comercial e artístico. Dos “três grandes”, é aquele que mais busca inovar, revelando ao mundo filmes como o brasileiro Tropa de Elite, que conquistou o Urso de Ouro em 2008.

Festival de Toronto: Porta de entrada para o mercado cinematográfico dos Estados Unidos. É conhecido como “prévia do Oscar”, pois acontece poucos meses antes do evento. Premiou filmes que posteriormente levariam a estatueta de ouro, como Quem quer ser um milionário? e O discurso do rei.

Sundance: Criado para ser a meca do cinema independente americano, revelou cineastas como os irmãos Cohen, Spike Lee e Steven Soderbergh. Atualmente, chama a atenção da mídia com celebridades que atuam em filmes fora de Hollywood, e do mercado. Mais voltado para o cinema americano.

Como são conhecidos alguns dos festivais de cinema do Brasil:

Mostra de São Paulo: Uma das maiores e mais tradicionais do Brasil. Tem importância mundial, para alguns especialistas. Foi criada pelo crítico Leon Cakoff, morto no último dia 14, véspera da abertura da mostra. A primeira edição, em 1977, exibiu 16 longas e sete curtas. Este ano, mais de 297 títulos serão exibidos até o dia 3 de novembro.

Festival do Rio: Outra das maiores do país, tem na Première Brasil uma janela do nosso cinema para o exterior. Na última edição, atraiu 280 mil espectadores, que assistiram a 428 filmes. O festival atrai produtores e distribuidores de outros países, além de curadores de festivais como Cannes e Roterdã.  

Festival de Brasília: Junto com a Mostra SP e o Festival do Rio, é considerado um dos principais do país. Historicamente, tem a característica de ser centro de discussão política, apesar de alguns especialistas divergirem deste caráter, atualmente. Este ano, passou por uma reforma que derrubou o requisito de ineditismo dos filmes. 

Festival de Gramado: Com um histórico de 40 edições, segundo profissionais da área o festival vive um impasse, pois a curadoria busca exibir filmes autorais, mas o público quer o glamour e o tapete vermelho. De acordo com Cavi Borges, o público fica do lado de fora das salas de cinema “para fazer uma social” durante as exibições.

Paulínia Festival de Cinema: Realizado com o patrocínio da prefeitura da cidade paulista. A cidade se tornou polo de produção cinematográfica. Segundo Silvio Tendler, as pessoas vão ao festival “em busca do ouro”.

Mostra de Tiradentes: O festival da cidade histórica mineira atrai cineastas cujas obras são mais independentes e autorais. Em janeiro, realizará sua 15ª edição.