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Rio de Janeiro, 23 de abril de 2024


País

40 anos depois, cem histórias do ano que não terminou

Luna Vale - Da sala de aula

27/06/2008

 Evandro Teixeira

“Vladimir está preso.....só que desta vez no trânsito!” A frase bem-humorada do jornalista Augusto Nunes para justificar o atraso de Vladimir Palmeira mostrou que o tom do debate sobre 1968 seria diferente dos que aconteciam na época. Por conta do lançamento do livro “1968 destinos 2008: Passeata dos Cem Mil”, do fotógrafo Evandro Teixeira, a Livraria da Travessa do Leblon organizou, no último dia 25, uma mesa-redonda formada por alguns dos principais nomes da época: o ex-líder estudantil Vladimir Palmeira, a socióloga Heloísa Buarque de Holanda, o ex-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) Jean Marc Van der Weid, com mediação do colunista e diretor do Jornal do Brasil, Augusto Nunes.

Heloísa Buarque começou contando sobre seu papel nos acontecimentos daquele ano. “Eu não fui heroína, eu só dei uma festa de reveillon”, lembrou a professora da UFRJ, ao se referir à famosa e conturbada festa na passagem do ano de 1967 para 1968, realizada em sua casa. Ela diz que continua trabalhando na mesma universidade, que já não é mais a mesma. “As aulas eram sempre muito debatidas. Fazer cultura era fazer política. A universidade era o palco de discussão, de debates e foi muito desmantelada. Já naquele tempo se discutia a reforma universitária”, lembra a socióloga, para quem 1968 foi o ano de explosão da energia acumulada desde o golpe em 1964.

No seu entender, durante esses quatro anos aconteceu uma espécie de “era de ouro” da cultura brasileira, com o aparecimento do movimento da Tropicália e do grupo Os Mutantes, além de inúmeras inovações no cinema e do teatro.

Jean Marc foi o último presidente da UNE antes do AI-5 e já assumiu na clandestinidade. Para ele, o Rio de Janeiro foi um dos raros lugares onde o movimento estudantil não se dilacerou. “Brigávamos pela maneira de lutar, mas sempre nos juntávamos para fazer o que havia sido decidido”, conta.

O grande problema, ainda segundo o economista, é que os estudantes não souberam identificar a natureza das passeatas. “As palavras de ordem eram muito gerais. Apenas nos anos 1970 é que se constrói uma agenda democrática. Nós não derrubamos a ditadura, fomos empurrando ela até ela sair”. Jean Marc explicou que não está na foto da Passeata dos Cem Mil porque estava preso e foi um dos estudantes que teve a liberdade negociada diretamente com o então presidente Arthur Costa e Silva pela comissão popular formada durante a manifestação.

Para Vladimir Palmeira, falta um estudo histórico sobre os acontecimentos de 1968. “O enfoque de hoje é o de 40 anos depois”, critica. Segundo ele, as entidades estudantis eram do tipo sindical: somavam a luta reivindicatória com a luta política e a luta nas ruas com a luta nas escolas, mas não tinham condições de pensar o Brasil. “Não estávamos preparados para assumir a política de verdade. O primeiro documento estratégico que escrevemos beirava o ridículo”, admite.

Vladimir conta que no início estavam muito presos ao passado, querendo realizar tudo que o PCB (Partido Comunista do Brasil) não tinha feito, independentemente do contexto político. Aos poucos, foram aprendendo com os erros, com a massa e descobriram que recuar era diferente de debandar. “Em vez de brigar com a polícia, nós começamos a nos dispersar antes, formando pequenos grupos.

Uma hora depois, quando já não tinha mais polícia, fazíamos outra passeata. Os secundaristas nos ajudavam, ficavam vigiando as ruas e diziam por onde podíamos ir”. Vladimir deixou no ar uma pergunta para quem quiser, ou souber responder: por que aconteceu tanta coisa, ao mesmo tempo, no mundo todo naquele ano?

O coordenador do movimento Viva Rio, Antonio Rangel Bandeira, preferiu dar seu depoimento abordando o papel dos estudantes em 1968. “Os estudantes tinham uma visão muito simplificada, mas conseguiram isolar a ditadura, racharam a Arena (partido do governo na época). O pensamento não tem que ser ‘nós perdemos, então estávamos errados’; a história poderia ter sido diferente, mas temos que ter orgulho do que foi feito”, enfatiza.

Após o debate, foi servido um coquetel enquanto o público formava uma longa fila à espera de um autógrafo do fotógrafo Evandro Teixeira. No dia do lançamento, cerca de 220 exemplares foram vendidos por R$98,00. Evandro é fotógrafo do Jornal do Brasil desde 1963. É dele a fotografia que se tornou símbolo da Passeata dos Cem Mil, em 26 de junho de 1968 no Rio de Janeiro. A imagem está na capa do livro, que conta a trajetória de vida de 100 pessoas captadas pela lente do fotógrafo naquele dia.

Para reconstituir aquele momento e os motivos que levaram à Passeata o livro reúne depoimentos de Vladimir Palmeira, Augusto Nunes, Marcos Sá Correa, Fernando Gabeira e Fritz Utzeri. O evento contou ainda com a presença de outros nomes da época, como o ex-presidente da FUEC (Frente Unida dos Estudantes do Calabouço) Elinor Brito, da jornalista e cientista política Lúcia Hippólito e do escritor Zuenir Ventura, autor do livro “1968 – O ano que não terminou”.