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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Crítica de Cinema

Almodóvar se aventura em conto moral contemporâneo

Miguel Pereira * - Do Portal

14/10/2011

 Divulgação

Exibido na sessão de abertura do Festival do Rio, o último filme de Pedro Almodóvar dividiu as opiniões. O mesmo já havia acontecido em outras ocasiões, como em Cannes, por exemplo. No entanto, "A pele que habito" pode ser entendido como um desejo de transformação do próprio autor. Trata-se de um exercício cinematográfico em que o gênero é o menos importante. A metáfora de si torna visceral a sua aventura criativa.

O mito do médico e do monstro funciona ao contrario neste trabalho de Almodóvar. Em vez de um monstro, o médico, interpretado por Antonio Banderas, cria um ser belíssimo e por ele se apaixona a ponto de se tornar ingênuo e perder a razão de uma vingança imaginada. Essa ida ao mito, por caminhos transversos, abre para o cineasta espanhol a oportunidade de exercitar um estilo narrativo que está surpreendendo os cultores de sua obra. Entre as suas constantes, destaca o papel das mães, neste caso, com absoluta pertinência. Por isso, talvez, um dos personagens do filme, o Tigre, o  irmão que surge do nada na história, apenas para dar sentido ao enredo, tem na mãe a cobertura de uma ação dramática que mexe na forma narrativa. Ele precisa voltar no tempo, através de uma cartela, marca de seu estilo também em outros filmes.

Esses procedimentos, porém, parecem estar encobrindo algo que de fato está lá na maneira como o cineasta elabora e capta as imagens. A forma sofisticada dos espaços cenográficos e dos figurinos, assim como o ritmo sonoro impregnando as imagens de sentido, estão a serviço de uma narrativa envolvente à moda do cinema de ação consagrado pelos gêneros fílmicos. Esta presença é mais acentuada no papel da outra mãe que introduz, dentro do enredo, a trama policial.

"A pele que habito" alavanca também temas muito próximos da vida contemporânea, como por exemplo, a questão da bioética. As experiências científicas realizadas sem medidas e escrúpulos são, evidentemente, condenadas pela tragédia que o filme narra. A questão das identidades enquanto formas de ser num mundo mutante e fragmentado é uma constante dessa narrativa. A busca de si e de um lugar ao sol como um processo cada vez mais acentuado de visibilidade é, seguramente, uma das mais sentidas angústias das pessoas no mundo de hoje. Ver e ser visto é quase uma imposição social para participar da vida contemporânea. É como se a máxima de hoje fosse: sou visto logo existo.

Por fim, o tema do mundo das aparências tem na pele um sinal externo que muitas vezes esconde o verdadeiro interior explosivo, razão de muitas tragédias evitáveis. Esta é, sem dúvida, a verdadeira metáfora deste último trabalho de Pedro Almodóvar.

"A pele que habito" é um conto moral sobre algumas formas de comportamento que exigem sempre reflexão e empenho de todos nós espectadores e amantes da sétima arte.

* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e critico de cinema.