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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Acordes de contestação sacodem a Brasília dos anos 80

Eduardo de Holanda - Do Portal

13/10/2011

 Divulgação

“A gente ficava por ali, jogando bola, de bermuda e descalço, na quadra do prédio. Quando, do nada, aparecem essas três figuras que claramente não faziam parte do ambiente, se destacavam pelas suas roupas rasgadas. Tiram um color jet do bolso, escrevem na parede Aborto Elétrico e vão embora. Todo mundo ali quis saber quem eram os caras“, lembra o músico Dado Villa-Lobos.

Os caras eram Renato Russo, André Pretorius e Fê Lemos (mais tarde baterista do Capital Inicial), no começo de suas trajetórias musicais; e a lembrança faz parte do garimpo "Rock Brasília - A era de ouro", em cartaz no Festival do Rio (exibido no dia 12, no Kinoplex Tijuca, e 13, no Kinoplex Leblon). O documentário de Vladimir Carvalho, que entrará em circuito no próximo dia 21, refaz a história da geração dos anos 1980 em Brasília. Filhos de profissionais liberais, diplomatas e professores que se mudaram para a nova capital com ideais utópicos.

Profundamente influenciados pela ideologia punk, os expoentes dessa safra musical de Brasília se concentravam no conjunto habitacional da “Colina”, apelido dado a prédios no campos da Universidade de Brasília. Serviam de moradia para professores e quem mais estivesse relacionado com a universidade. Ali brotaram algumas das trilhas mais conhecidas da redemocratização.

 Reprodução Internet

Havia uma espécie de antropofagia nesse pessoal que habitava a quadra da Colina. Da mesma forma que Mario de Andrade e Caetano Veloso, as bandas saídas desse local (esepcificamente Capital Inicial, Plebe Rude e Legião Urbana) arranjaram uma forma de adaptar as influências externas e fazer a mistura necessária para a criação de algo novo. Adaptaram a ideologia da cultura punk ao momento histórico e social do Brasil. Deram camisa a letras de protesto e à filosofia do “faça você mesmo” – difundida por bandas como Ramones e Sex Pistols, que, com apenas três acordes, fizeram dezenas de músicas. O filme de Vladimir Carvalho catalisa esse espírito, essas referências que, de certa forma, representam a síntese de um Brasil cativante. 

O espectro da ditadura também é uma constante no documentário. Briquet Lemos, professor da UnB e pai de Flavio e Fê Lemos, recorda uma invasão policial na universidade, o relato dos filhos sobre a correria dos alunos, uma "confusão geral". Em outra cena, esse grupo politicamente ativo de estudantes protagoniza um protesto contra o diplomata americano Henry Kissinger, recebido com  tomates e ovos.

A sequência de protestos mostra ainda ações agressivas de jovens contra o governo do presidente José Sarney, o primeiro rumo à retomada democrática. Carros queimados, ruas fechadas, palavras de ordem. O “badernaço”, como ficou conhecido, coincidiu com o show histórico da Legião Urbana no estádio Mané Garrincha, Já com a fama e o peso de uma banda grande, a Legião voltava a Brasília para tocar diante de 40 mil pessoas.

A primeira música, "Que país é esse", lembra Dado Villa-Lobos, guitarrista da banda, incendiou a plateia. Foi como “ter riscado o fósforo e jogado na gasolina, a explosão era iminente”. Na confusão, fãs invadiram o palco (que tinha somente dois metros de altura), e um deles pulou no pescoço do vocalista Renato Russo (1960-1996). Os seguranças reagiram energicamente e próprio Renato parou a música para repreender os agentes. Assim a banda perdeu o apoio da segurança e a baderna se propagou.

Ao garimpar histórias daquelas vozes novas, e inovadoras, "Rock Brasilia - A era de ouro" conta o nascimento de algo que pôs o Distrito Federal no mapa da música, expandiu os limites predominantemente restritos ao eixo Rio-São Paulo. De quebra, a direção de fotografia de André Carvalheira e André Lavenére traz belas imagens, arejando o espaço entre os depoimentos, e mostrando a beleza diferente de uma cidade projetada.