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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Cultura

Carnavalescos querem afinação entre famosos e bambas

Jorge Neto - Do Portal

05/10/2011

 Divulgação

“Colocam uma rainha que não sabe sambar, como uma atriz global ou uma modelo, e escondem os que sabem. Se continuar assim, vai ficar um monte de gente com mãozinha para cima e acabou o samba”. Disparado ontem, na abertura do ciclo de debates sobre o samba, na PUC-Rio, o alerta do carnavalesco Max Lopes, atualmente na Imperatriz Leopoldinense, ecoa uma preocupação crônica entre os bambas. O "pupilo" Cahê Rodrigues, carnavalesco da Grande Rio, reforçou os acordes da crítica: ”As raízes estão desvalorizadas. A ala dos passistas, a ala das baianas e a bateria, que mostram o verdadeiro samba, ficam em segundo plano”.

Com a visão dos bastidores, Max e Cahê contaram aos estudantes e convidados reunidos no auditório da sala 102-K alguns dos desafios, curiosidades e recompensas que compõem a rotina de levar o carnaval para a avenida. Um saboroso aperitivo das histórias e reflexões que desfilarão esta semana na universidade. Organizado pelo jornalista Sidney Rezende, professor da PUC-Rio e diretor do site de notícias SDRZ, o ciclo de encontros com mestres do samba segue até sexta-feira (7), das 9h às 13h.

Na opinião dos caravalescos que aqueceram os tamborins desses debates, a "desvalorização das tradições" é um das maiores preocupações nos desfiles atuais. Segundo eles, emissoras de TV mostram só os famosos, e as alas ficam escondidas atrás dos carros alegóricos:

– Foi necessário um incêndio destruir a Grande Rio para a imprensa reconhecer que a comunidade de Duque de Caxias é a escola – criticou Cahê – Os artistas só abrilhantam a apresentação.  O sucesso de uma escola de samba depende da força da comunidade – reiterou.

Ele lembrou à plateia o apoio essencial para da comunidade para a escola de samba ressurgir, literalmente, das cinzas e participar do desfile deste ano. (O fogo destruiu oito carros e 3.300 roupas da Grande Rio.) "Eram tantas pessoas querendo ajudar, que tinha disputa para ver quem ficaria com a arma de cola quente", orgulhou-se.

Outro ponto que preocupa os carnavalescos são os enredos patrocinados. Na avaliação deles, a interferência do patrocinador pode prejudicar o espetáculo:

– Em oito anos trabalhando na Mangueira, eu só não estive no pódio em duas oportunidades.  Nas duas vezes o patrocínio interferiu em todos os aspectos da minha criação, e não tive condições de trabalhar – responsabilizou Max.

Cahê reconhece o risco, mas acredita que a relação com os patrocinadores pode amadurecer e tornar-se muito positiva para o show carnavalesco. “Ter dinheiro nos permite criar mais. Lógico que há  restrições, mas, como carnavalescos, temos que salvar esses enredos”, observou. Ainda segundo Cahê, a nova safra do samba mostra-se também importante para revitalizar a autenticidade do carnaval:

– O carnavalesco novo trouxe o tesão de fazer carnaval inovando, mesmo que ainda busquemos o auxílio dos mais velhos. Trabalhando no Grupo de Acesso, descobri a real dificuldade de fazer dar certo. Tinha que transformar lixo em luxo. Depois disso, fica mais fácil de ultrapassar as barreiras que são impostas pela escola e pelos patrocinadores – disse, referindo-se, em especial, à vez em que, segundo ele, foi proibido de fazer um carro alegórico com os "amores da Xuxa". O carro, que fazia parte do enredo “Xuxa e seu Reino Encantado no Carnaval da Imaginação”, apresentaria crianças vestidas de Pelé e Ayrton Senna.

Para o carnavalesco, o caso ilustra uma das principais habilidades de quem trabalha nessa festa: capacidade de adaptação. "Trabalhamos de acordo com a escola. Devemos entender a alma dela antes de desenvolver um enredo", sintetizou Cahê.