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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Crítica de Cinema

Santo Agostinho segundo Rossellini se mantém atual

Miguel Pereira * - Do Portal

26/09/2011

 Reprodução

Durante o XV Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine), que se realizou entre os dias 21 e 23 de setembro, na Escola de Comunicação da UFRJ, numa mesa temática sobre vidas de santos no cinema, analisei o filme Santo Agostinho, de Roberto Rossellini. Trata-se de uma produção feita para a televisão, em 1972, que está disponível em DVD nas locadoras da cidade. O filme não é uma biografia detalhada do santo. Rossellini procura mostrar como o pensamento de Agostinho continua atual. É, portanto, um filme sobre as ideias do primeiro teólogo que sistematizou a doutrina católica, aplicando a ela os fundamentos filosóficos até então existentes. Vai além do trabalho de sistematização do credo empreendido pelos chamados padres da Igreja, que ficou conhecido como Patrística, nos séculos iniciais do cristianismo.

Na verdade, Agostinho parte do que já tinha sido elaborado por esse conjunto de autores e, observando as disputas doutrinárias que estavam em grande efervescência naquele momento – ele mesmo fora maniqueísta –, se aplica aos estudos filosóficos para buscar a sustentação necessária a uma doutrina sólida e sistemática. O que Santo Tomás faria séculos depois com Aristóteles, Agostinho fez, parcialmente, com Platão. Rossellini, no entanto, não estava muito interessado nas questões teológicas e sim no modo como Santo Agostinho lidou com o pensamento enquanto forma de superação da crise humana. Ao perceber que o santo viveu num momento de transição de civilizações e soube lidar com isso de forma exemplar, motivou-se para realizar o filme.

Não foi o primeiro santo que Rossellini transformou em filme. Em 1950, realizou a mais bela biografia de São Francisco de Assis que o cinema já produziu.  No caso de Santo Agostinho, fixou-se apenas nos últimos 30 anos de sua vida, já como bispo de Hipona. Enfoca, no filme, como usou o seu talento para promover reconciliação no pensamento e nas ações cotidianas. A sua habilidade em lidar com os contrários e o modo como construiu a concórdia entre poderes e radicais fundamentalistas. Foi capaz de acolher seus principais adversários, os donatistas, quando estes caíram em desgraça dos poderosos da época. O Agostinho que nos é mostrado na narrativa de Rossellini é aquele que semeia a paz e a concórdia e não o conflito e a desavença. Inteligência típica de tempos conturbados que busca soluções e não o aprofundamento dos conflitos.

Com este filme Rossellini comprovou que o cinema pode ser também um veículo do conhecimento sofisticado e com caráter educativo. Narrado com simplicidade e verdade, Santo Agostinho é um filme realizado há quase 40 anos e ainda hoje tem muito a nos dizer.

* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.