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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

"Não gosto de figuras óbvias, procuro o que está escondido"

Gabriel Picanço - Do Portal

12/09/2011

 Lucas Terra

Além de ter sido primeira-dama do Brasil por mais tempo (19 anos ao todo, entre 1930 e 1945 e de 1951 a 1954, ano do suicídio de Getúlio Vargas), Darcy Vargas é lembrada por muitos como a mais importante que o país já teve. Prova disso é que foi mulher admirada mesmo pelos opositores políticos mais ferrenhos de seu marido. Por toda a sua vida, mesmo depois da morte de Getúlio, Darcy se manteve firme na missão de ajudar pessoas carentes, em especial as crianças. Foi ela quem criou, durante a Segunda Guerra Mundial, a Legião Brasileira de Assistência (LBA), que se espalhou por todo o território nacional, e fundou a Casa do Pequeno Jornaleiro, que atualmente atende a cerca de 300 crianças no Rio de Janeiro, única de suas obras que se mantém ativa após a sua morte, em 1968.

Darcy Vargas, apesar disso, é uma importante personagem da história do país que muitos já não sabem quem foi. Segundo a escritora e jornalista Ana Arruda Callado, a história dessa mulher admirável, assim como a de muitas outras, se perdeu no tempo. No livro Darcy, a outra face de Vargas (Editora Batel, 2011), Ana Arruda se propõe a reapresentar aos brasileiros essa personagem histórica. Para ela, Darcy pertence a um grupo de mulheres que foram pioneiras, mesmo com a posição inferiorizada que a sociedade insistia em impor às mulheres, em pleno século XX. Foi sobre essas personagens que Ana resolveu se debruçar, produzindo, até agora, seis títulos. Além de Darcy Vargas, já escreveu sobre Maria José Barboza Lima (Dona Maria José), a escritora Jenny Pimentel de Borba (Jenny, amazona, valquíria e vitória-régia), a poetisa Adalgisa Nery (Adalgisa Nery), a artista Maria Martins (Maria Martins, uma biografia) e a política Lygia Maria Lessa Bastos (Lygia, a recordista).

Ana Arruda, viúva do escritor Antônio Callado, iniciou no jornalismo em 1958, no Jornal do Brasil. Ali, em foi a primeira mulher a ser chefe de reportagem no Brasil. Apesar disso, não se considera um mulher de papel importante como aquelas sobre quem escreveu, mas apenas "uma feminista militante" que escolheu trabalhar em uma época na qual ser boa mãe e dona de casa eram as únicas coisas esperadas das mulheres.  

Em entrevista ao Portal, a autora fala por que dona Darcy é considerada a primeira-dama mais importante da história do Brasil e defende o resgate de sua memória e de seus trabalhos sociais.

Portal PUC-Rio Digital: O livro Darcy, a outra face de Vargas é o quinto livro que a senhora escreve sobre mulheres. Como isso começou?

Ana Arruda Callado: É o que tenho feito nos últimos anos, há muito tempo. Chamo de perfis. Tenho a tese de que a biografia é impossível. Não se biografa uma pessoa, existem mil falhas na biografia. Falei de Darcy, mas existem muitas coisas que quem leu o livro não sabe, e eu também não consegui saber. O primeiro desses perfis que fiz foi o da Maria José Barbosa Lima. O Barbosa Lima Sobrinho era um homem conhecidíssimo, e ninguém sabia nada dela. Aí, tomei gosto e fui, até chegar à Darcy.

Portal: Como escolheu cada uma das personagens a serem perfiladas?

Ana Arruda: Foi um trabalho contínuo. Depois que eu fiz a Maria José, descobri uma revista chamada Walkyrias, na Biblioteca Nacional. Ninguém conhecia essa revista, mesmo as feministas que escreveram sobre a imprensa de mulheres. Fiquei encantada com a revista, que foi fundada em 1934, por uma mulher chamada Jenny Pimentel de Borba, e durou até 1960. Foi a única voz feminista durante todo o Estado Novo. Em 1934 a Constituição consolidou o voto feminino, o direito da mulher votar e ser votada. Getúlio assinou o decreto, em 1932, concedendo o direito de voto. Mas o importante foi que a Constituição de 1934 consolidou esse direito. Então, a revista foi fundada para celebrar essa conquista. Ela tinha como articulistas os mais importantes intelectuais homens, não era sectária. O que mais me impressionou no primeiro número foi o artigo de um homem. Era de uma pessoa de que eu gostava muito, foi meu paraninfo na faculdade, o Múcio leão, que foi da Academia Brasileira de Letras. Ele escreve um artigo delicioso, dizendo que as mulheres estavam alegres por agora poderem votar e serem votadas, mas sem perceber que existia outro artigo que acabava com a alegria delas: o artigo que confirma que o casamento é indissolúvel. Se elas não podem se divorciar, não têm autonomia e não podem votar em quem elas querem, mas sim em quem o marido mandar. Ele diz mais ou menos isso. E é formidável um homem ter escrito isso em 1934. Depois da Jenny, estudei muito a literatura feminina produzida durante o Estado Novo. Então, nesse tempo, descobri que os críticos literários eram quase todos homens, com exceção da Lúcia Miguel Pereira, que era muito elogiada. A única além dela era a Adalgisa Nery. Pensei que a Lúcia já era muito conhecida, e resolvi pesquisar a Adalgisa. Ela tinha sido deputada, tinha uma coluna diária no jornal Última Hora, chamada Retrato Sem Retoque, que era o jornalismo que se fazia à época, muito desaforado, combativo, destruindo todo mundo. Eu me concentrei nela e pesquisei. Adalgisa foi uma mulher absolutamente extraordinária, mas estranha. Ela casou bem garota, com o Ismael Nery, pintor surrealista, bailarino, poeta intelectual fascinante. Depois que Ismael morre, Adalgisa casa com Lourival Fontes, que era o diretor do DIP, o homem que dirigiu a Censura durante o Estado Novo, o nosso Goebbels. Por ter casado com Lourival, que tinha sala no Palácio do Catete, se aproximou de Getúlio e Darcy. E o Getúlio ficou encantado por ela, que era uma mulher muito inteligente e entendia de política. Saiu até um boato que ela teria tido um caso com ele, quando o diário de Getúlio foi publicado. Mas é claro que isso não aconteceu. Depois dela, peguei a Maria Martins, que foi uma encomenda, até. Maria Martins, escultora surrealista, casada com Carlos Martins, que foi um dos grandes embaixadores que o Brasil teve. E colega de turma de Getúlio. 

 Lucas Terra Estava rodeando Getúlio, o Estado Novo. Depois, biografei a Lygia Lessa Bastos, que era opositora de Getúlio, da UDN, mas com grande admiração pela Darcy Vargas. No livro da Lygia, inclusive, tem uma foto dela entregando à Darcy o titulo de cidadã do Rio de Janeiro. Ela disse que fez questão de entregar porque "a Dona Darcy não tinha nada a ver com Getúlio, era uma mulher formidável". E isso se repete, na contracapa do livro o José Américo de Almeida diz "mulher formidável, era a única pessoa da família com quem eu me dava". Então, eu estava chegando perto de Getúlio, até pela oposição. Pensei em pegar a Alzira. Mas ela já tinha o livro dela, Getúlio Vargas, meu pai, onde já conta muita coisa de sua vida. E é uma figura óbvia, não gosto de figuras óbvias. Sempre procuro alguém que esteja meio escondido, meio esquecido. Então, decidi pela Darcy.

Portal: O que sabia dela antes de escrever o livro? 

Ana Arruda: Quando comecei a pesquisar, só sabia que ela tinha feito a Casa do Pequeno Jornaleiro, era uma mulher que tinha ideais caritativos. Embora a caridade seja muito nobre, ficou um pouco desgastada. Mas fiquei deslumbrada. Muita gente já me contestou dizendo que fiz um elogio, que "biografia não deve ser um encômio". Mas acontece que ninguém me falou mal de Darcy. Entrevistei dezenas de pessoas, li dezenas de recortes de jornal, livros. Não li uma coisa que desabonasse Darcy, falasse mal dela. É uma mulher admirável, até porque inesperada. Aquela menina que casou com 15 anos, com um homem mais velho já bem instalado na vida, deputado estadual.

Portal: Como foi o processo de pesquisa para escrever o livro?

Ana Arruda: Quando lancei o livro da Lygia Lessa Bastos, uma das pessoas que foi ao lançamento, para o meu espanto, foi a Celina Vargas do Amaral Peixoto, neta da Darcy e filha da Alzira Vargas. Já conhecia a Celina, tenho grande admiração por ela. Então, aproveitei a oportunidade e disse que iria procurá-la para pedir permissão para fazer a biografia da Darcy Vargas. E ela disse que não só iria dar a permissão como iria ajudar em tudo que pudesse. E, realmente, ela me ajudou muito. A primeira coisa que fiz foi reunir a bibliografia, o que já foi escrito sobre ela. Peguei o livro do Chermont de Britto, que é um livro bem engraçado, A vida luminosa de dona Darcy Vargas. É um livro apaixonado, tem um estilo bem romântico. E depois que fui entrevistar as pessoas. Outra coisa é que eu sempre aviso a todo mundo que estou escrevendo, e recebo as colaborações mais incríveis. Por exemplo, uma amiga minha, Irene Motinho, não tinha ideia de que tinha qualquer ligação com Getúlio e Darcy, e o pai havia sido secretário de Darcy. Uma coisa foi puxando a outra. Depois procurei saber dos parentes, fui a São Borja, a Porto Alegre. Já com as datas que tinha pesquisado, fui aos jornais do Rio Grande, li muitos. Foi uma pesquisa muito ajudada pelas netas. A Celina, a Edith Maria Vargas da Costa Gama, que é presidente da Fundação Darcy Vargas... Pesquisa é isso: você vai a uma fonte, que o leva a outra, e a outra, assim vai. Eu trabalho devagar, sem açodamento. Diria que fiquei um ano e meio, contando as viagens, entrevistas, pesquisas.

Portal: Muitos consideram Darcy como a maior primeira-dama que o país teve. Por que ela merece este título? 

Ana Arruda: Darcy foi uma mulher absolutamente admirável, que não se metia no governo. Dizem que a mulher do presidente Dutra, a dona Santinha, era quem mandava, nomeava ministros, e tal. Darcy nem aproveitava para ficar passeando ou comprando coisas para ela. Ao contrário; outra coisa que me impressionou na pesquisa foi o cuidado com o dinheiro público que Getúlio tinha. Quando eles sofrem o acidente automobilístico na estrada de Petrópolis, no qual Darcy quase perdeu a perna, o pai de Getúlio mandou um cheque para ajudar nas despesas médias. Não era o povo que pagava. E, quando Getúlio se matou, a dona Estela Motinho viu e ajudou a Darcy a dobrar os lençóis e guardar para levar para casa, porque os lençóis eram dela. E ela era organizada. Tenho a impressão que aqueles cinco filhos deram a ela um ensinamento de "como organizar". Depois, ela organizou as voluntárias para a Revolução de 30, para 32. E depois na Segunda Guerra. O que ela fez na Segunda Guerra Mundial foi extraordinário. E ninguém fala sobre isso hoje. Ela ajudava muito com o que fazia pelos pracinhas antes de embarcar e com os feridos, e pelas famílias. As Hortas da Vitória, para poder dar às famílias dos pracinhas, a cantina do combatente, com os cantores famosos do rádio... Mandou roupas, cigarros, que eram essenciais para o soldado em combate. Ela fez realmente tudo. Depois, com a morte de Getúlio, a LBA foi tomada dela. E nunca mais foi operada ao nível de quando ela estava a frente. Ela foi a grande presidente da LBA, que foi destruída no governo Collor. Depois da morte de Getúlio, ela não pode fazer nada. Foi perseguida, humilhada. Mas ficou com a casa do Pequeno Jornaleiro. E transformou esse lugar quase na casa dela. E, graças a isso, a casa do Pequeno Jornaleiro existe até hoje, é a única das obras dela que sobreviveu. Fiquei entusiasmada e contente por ter descoberto essa mulher e poder revelá-la. Porque ninguém mais se lembra dela. Tudo o que vi, ouvi e li dizia que Darcy e Getúlio tinham um casamento bom, no sentido de que tinham amizade um pelo outro, eram solidários. Getúlio respeitava Darcy e ela adorava ele. Isso não diminui nenhuma mulher, isso não é um defeito. 

Portal: Que legado Darcy Vargas deixou após sua morte? As primeiras-damas seguintes aprenderam alguma coisa com ela?

Ana Arruda: Não ficou nada, as pessoas se esqueceram de tudo. Adoraria que meu livro fosse um best-seller, sei que não vai ser. Tenho uma série de palestras marcadas em universidades, porque eu quero falar dela. Do que ela fez, do que é possível que seja feito. Entre as primeiras-damas do Brasil, até ela, ninguém tinha feito nada. Eram todas apagadas, com exceção da Nair de Tefé, primeira-dama do presidente Hermes da Fonseca, que foi uma figura interessante, mas ficou pouco tempo. E a Sarah Sarah Kubitschek, com as Pioneiras Sociais. Depois delas, só a Ruth Cardoso, que veio a fazer a Comunidade Solidária. Nenhuma outra fez qualquer coisa. E uma mulher que eu considero inimiga pessoal minha é a dona Marisa Letícia. Aquela mulher passou oito anos pendurada no braço do marido. Não trocou uma fralda em creche... Não fez nada! Foram 36 presidentes e citamos apenas três mulheres que fizeram alguma coisa. E a Darcy não fez somente "alguma coisa”, ela fez muita coisa. Ela é uma mulher admirável, mas que não deixou nenhum legado espiritual. Nem dinheiro, a fundação Darcy Vargas e a Casa do Pequeno Jornaleiro até hoje vivem dos distribuidores de jornal. A instituição é formidável, mas é somente uma pequena casa. Ela foi mulher do presidente durante 19 anos. É lamentável que não possamos dizer que as mulheres dos presidentes aproveitam o poder para fazer coisas admiráveis. Foi isso que ela fez: aproveitou o poder para o bem dos outros.

Portal: Por que a senhora acha que, mesmo fazendo coisas tão boas, Darcy Vargas caiu no esquecimento? O que é preciso para que isso seja resgatado?

Ana Arruda: Faço o que posso, espero que o livro seja lido. Ainda tenho esperança. Até do Getúlio esqueceram. Nem para falar mal lembram. Poderiam lembrar ele ao menos para isso. Não estou esperando que se fale só bem de Getúlio, embora eu ache que ele foi um grande presidente de 1950 a 1954. E mesmo durante o Estado Novo, com todo o horror que é uma ditadura, que não podemos apoiar de maneira nenhuma, ele promoveu grandes mudanças importantes, para o bem do Brasil. E isso aconteceu com outras mulheres sobre as quais escrevi. A Lygia é recordista mundial de mulheres parlamentares com mandatos consecutivos, e ninguém sabe disso. E ela está viva. Se candidatou 10 vezes, foi eleita 10 vezes. Foi vereadora quatro vezes, deputada estadual outras quatro e duas vezes deputada federal. Era a única mulher na Câmara Federal de 1974 a 78. Ainda hoje temos pouquíssimas. Nós temos menos deputadas federais mulheres do que muitos países árabes. A participação das mulheres no governo no Brasil ainda é muito menor do que em muitos países que a gente considera machistas. Isso não é impedimento, é um pouco de descaso das mulheres, que se não candidatam. A Lygia foi uma pioneira. Em 1947, quando ela se elegeu pela primeira vez, eram muito poucas. Agora, já vemos governadoras. Mas era uma exceção uma mulher se candidatar naquela época. Darcy Vargas, por exemplo, casou com 15 anos, com 23 tinha cinco filhos para criar. Ela era dona de casa, já era extraordinário que ela fizesse Natal dos pobres. O mundo, hoje, está tão hedonista, que as pessoas estão muito mais preocupadas com a viagem à Disney do que com o futuro do país. E, se não estão preocupadas com o futuro, que dirá com o passado.

Portal: Por falar em passado, em 1958 a senhora foi premiada por uma série de reportagens, para o Jornal do Brasil, sobre Reforma Agrária chamada "Reforma agrária... Lucas Terra

Ana Arruda: "Todo mundo fala, mas ninguém faz", era esse o título! Eu não esqueço. O meu pai era um batalhador da reforma agrária. Ele era um engenheiro, mas se envolveu cada vez mais com as questões agrárias. Era impressionante como naquele tempo se falava no tema, foi uma das razões, inclusive, para o presidente Jango ter caído. Entre as reformas da série que ele propôs estava a reforma agrária. É eterno, os problemas são os mesmos a vida inteira, isso é terrível. O Brasil não progrediu, a não ser tecnologicamente. As escolas estão péssimas, os hospitais estão péssimos. A universidade brasileira piorou. Essa manchete caberia hoje, nunca se fez reforma agrária, a situação do campo é terrível. E o MST invade o Ministério da Fazenda ou fazendas produtivas, enquanto tinha que invadir lugares que não produzem, que são centenas no Brasil. Callado fez um livro chamado Entre o Deus e a vasilha - Sobre a reforma agrária a qual nunca foi feita, em 1985. Quando o Callado escreveu isso, ele me levou ao pontal do Paranapanema, que é o assunto do livro. Lá existiam acampamentos, era o comecinho do MST. O próprio Montoro chamou o Callado para escrever isso, porque ele achava que poderia ajudar, dentro do próprio partido dele, na desapropriação de algumas áreas. O pontal do Paranapanema até hoje o MST está brigando, têm muitas áreas griladas, com falsos proprietários. Eu, em 1959, estava dizendo " Reforma agrária: todo mundo fala mas ninguém faz". Em 1985, Callado dizia "Reforma agrária a qual nunca foi feita". E agora, nos estamos vendo. Não se faz nunca.

Portal: Existe mais alguma mulher sobre a qual a senhora pretenda escrever agora?

Ana Arruda: A Darcy foi uma consequência lógica de todo um trabalho anterior, trabalho que não vai parar, já estou com outra em vista. Será a Berta Ribeiro, uma grande antropóloga, que foi casada com Darcy Ribeiro. Ainda há várias, mas sou uma pessoa que muda de atividade. Estou há muito tempo perseguindo essa coisa de biografias de mulheres, que estou com muita vontade de fazer a Berta Ribeiro e voltar à ficção. Que não é ficção. Eu tenho um livro de ficção, Uma aula de matar. Sempre digo que, de mentira, só tem o cadáver boiando na piscina. O resto são coisas que já ouvi, vi, vivi. Só que misturei tudo.

Portal: O que acha da Dilma como presidente?

Ana Arruda: Estou torcendo pela Dilma. Não votei nela, mas estou torcendo muito. Acho que ela quer fazer as coisas direito. Mas não sei se ela vai conseguir. Porque a máquina é podre, e é a máquina quem manda. Ela vai ter que fazer muito acordo, que é sempre uma coisa suja. Política tem que ter acordos, mas deveria ser para se conseguir a maioria e votar coisas boas para o país. Mas não para distribuir cargos, para piorar o Código Florestal, permitir mais desmatamentos, que foi o que aconteceu. O que manda hoje é o dinheiro. Eles lutam por cargos, mas não para fazerem coisas, e sim para ganhar dinheiro. Eu tenho esperança que a Dilma não seja isso.

Portal: A senhora se considera, pelo pionerismo na profissão, uma mulher de papel importante na luta feminista?

Ana Arruda: Não acho que eu tenha importância, acho que sou um feminista militante, sem ser feminista de carteirinha, que são essas mulheres que fazem reuniões só para mulheres, o que odeio. É um assunto que tem que ser discutido entre homens e mulheres. Nós somos cidadãos de segunda categoria? Ainda somos, é verdade. Mas temos que discutir isso com os homens, não só entres mulheres. Não participo dos movimentos feministas tradicionais. Mas me considero feminista. Durante minha vida inteira lutei por independência e tentei convencer as pessoas que isso era uma coisa fundamental. Só casei já velha, quando encontrei um homem mais feminista do que eu. Ele dizia "não é possível que você, sendo mulher, não tenha compreendido que as mulheres têm direito a certos exageros, elas foram oprimidas por séculos!". Fui a primeira chefe de reportagem, mas foi porque pude, porque não tinha filhos chorando em casa. Eu escolhi isso, e não pense que é fácil. Escutava de amigas minhas que "mulher só é mulher quando é mãe" Ouvi isso, inclusive da minha enteada. Lamento, mas sempre me senti mulher, e nunca tive filhos. A divisão do trabalho ainda é injusta, mas isso melhorou. Hoje tem muito homem dividindo o trabalho de casa e o cuidado dos filhos.