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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Mundo

Conflitos exibem fatura de cortes no capital social

Gabriela Caesar e Jorge Neto - Do Portal

19/08/2011

 Arte: Eduardo de Holanda

Há quase um mês a Inglaterra vive uma onda de protestos que já contabiliza 2 mil detidos e cinco mortos. Os conflitos no “país da ordem, marcado pelo controle de estrangeiros e jovens”, como qualifica o professor Cunca Bocayuva, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, refletem a crise econômica que aumentou o desemprego entre os jovens. Na Inglaterra 20% deles estão excluídos do mercado, e somam-se aos 35% de imigrantes sem emprego. Na Espanha, a taxa de 40% insinua-se também um estopim para mais manifestações do gênero.

Os professores Mauricio Parada e Ricardo Ismael, dos departamentos de História e de Sociologia e Política, respectivamente, apontam o corte de gastos como a raiz da conturbada situação vivida por países europeus – agravada, em alguns casos, por conflitos étnicos. Mauricio alerta que os cortes concentrados em áreas “comprometidas socialmente” põem em risco, principalmente, o bem-estar social. Na avaliação de Cunca, o problema está na natureza das "decisões estratégicas":

– Tiraram do capital social e colocaram no capital global. Os direitos trabalhistas, por exemplo, foram vistos como obstáculos. A proteção social foi desmontada.

Ismael observa que a política de incorporação dos imigrantes na Inglaterra é falha desde a implantação. Com maior disputa por emprego, cresceu a violência de grupos de jovens, principalmente entre 16 a 24 anos, contra a polícia. “Eles enxergam em curso prazo e são movidos a viver o presente”, afirma o professor. Cunca acredita que o desgaste policial poderia ter sido evitado. Para ele, o confronto faz parte de uma política “punitiva” e “intolerante”. O marco da dificuldade em lidar com estrangeiros, segundo Mauricio, é o 11 de Setembro: o atentado ao World Trade Center (WTC) aumentou a intolerância no mundo. Mauricio propõe:

– Por mais que cresçam discursos de intolerância, as políticas públicas devem ser mantidas.

Reprodução

Ismael alerta que a crise, amplificada pelos conflitos e pelas novas turbulências financeiras, favorece o crescimento do discurso xenofóbico. Cunca e Mauricio acrescentam que esse cenário tende ainda promover a ascensão de partidos de direita na Europa. Por outro lado, Mauricio acredita que o Brasil não corre risco de passar por situações similares devido à experiência, até pelas lições extraídas da experiência relativamente recente com o autoritarismo (refere-se ao período da ditadura militar). O professor criticou a censura do governo britânico às redes sociais, usadas para organizar protestos:

– Os ingleses deveriam observar a História da América Latina para perceber que a censura, inclusive em mídias sociais, não é a melhor medida.

Como lição ao Brasil, Cunca alerta sobre o desenvolvimento de políticas "cuja marca de criminalização de sociedade são os pobres, como consequência do desenvolvimento de economias de segregação simbólica". Ele teme o despertar de sentimentos como o da "cultura do medo e da vontade de crueldade, como retrata o filme Tropa de Elite".

 

Protestos criativos: hippies, caras-pintadas e mutirão de limpeza

A violência nas ruas de Londres gerou indignação de parte dos próprios londrinos. Enquanto alguns destruíam e saqueavam, outros esperavam até o dia seguinte para limpar a cidade. Vassouras, pás e até escovas eram transformadas em armas na luta por "um amanhã melhor". Organizado por meio de redes sociais, o chamado para, literalmente, limpar a cidade reuniu 100 participantes, que prometiam: “se eles quebrarem tudo de novo hoje, nós voltaremos e limparemos amanhã”.

Iniciativas como essa renovam o repertório de formas inovadoras de mostrar a insatisfação com a violência, nas suas diversas faces. Assim fizeram, por exemplo, os hippies. Nascido como um movimento de contracultura nos EUA dos anos 60, a ação dos hippies também idealizava uma sociedade de paz, em protesto contra a guerra do Vietnã. Manifestações mobilizavam milhares e produziam imagens emblemáticas para o mundo, como a da jovem que colocou uma flor no cano da arma de um soldado, enquanto ele mirava em sua cabeça.

No Brasil de 1992, estudantes pintaram os rostos para protestar contra a corrupção no país. O movimento contribuiu para o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. “Ai, ai, ai, ai, se empurrar o Collor cai”, cantavam os caras-pintadas até a votação a favor do processo de impeachment do governante pela Câmara dos Deputados.

 

Inglaterra te bloqueou

As redes sociais são utilizadas de duas formas em especial no cenário londrino. Enquanto o Facebook ajudou a organizar protestos contra a violência, o Twitter e o BlackBerry Messenger foram as principais plataformas usadas para organizar as manifestações violentas que assolaram Londres ao longo deste mês.

Temendo novos episódios de vandalismo, a Inglaterra bloqueou provisoriamente os sites de relacionamento (atualmente desbloqueados). Com a proibição, o governo britânico privou a população de um direito humano: o livre acesso à internet. Assim, mesmo que por alguns dias, juntou-se a países como China e Coréia do Norte, limitadores de acesso digital em seus territórios.

Na China, há vários sites bloqueados, inclusive redes sociais. Desde o início do ano, ligações com palavras consideradas "perigosas" também são encerradas quase instantaneamente, acirrando o prejuízo à liberdade de comunicação.