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Rio de Janeiro, 4 de maio de 2024


Cidade

O papel das favelas na construção da diversidade

Igor de Carvalho - Do Portal

17/08/2011

Lucas Terra

Muito se debate sobre a presença e o papel das favelas na cidade do Rio de Janeiro. Para o professor Marcelo Burgos, do Departamento de Sociologia da PUC-Rio, devemos a elas o fato de sermos uma cidade com ampla diversidade, em todos os sentidos. Integrante da mesa-redonda Cidadania e ordem urbana, impasses e perspectivas, junto das sociólogas Maria Alice Rezende de Carvalho e Vera Telles e da antropóloga Ilana Strozenberg, da UFRJ, no II Seminário Cidades, Futuros Possíveis, realizado na quarta-feira 10 de agosto, na Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, o professor defendeu que as favelas são uma forma urbana funcional para o modelo de modernização conservador, sendo pouco expostas à sociabilidade, mas muito ao mercado financeiro, como indica o crescente aumento do poder de compra das classes C e D. Para Burgos, é impossível definir a favela a partir de critérios descritivos:

– Falamos de ausência de ordem pública. Falta estado, mas também falta sociedade. Desaprendemos a criar redes de solidariedade. O Rio é a cidade das favelas, por isso devemos nossa diversidade a elas. Caso contrário, viveríamos no apartheid.

Para o sociólogo, muitos veem a favela como um biombo que impede a luta de outros setores por espaço na cidade. Por vezes, atribui-se às favelas o abandono de algumas áreas, quando os motivos reais são outros. Na visão do sociólogo, é melhor estar inserido em uma favela do que em um conjunto habitacional, sendo a sua forma eficiente para a fórmula urbana conservadora. Lucas Terra

– Há uma impossibilidade e um desinteresse em saber o que é favela. A cidade lida com essa questão da mesma forma que na época da República Velha – afirma.

Burgos considera importante a experiência das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), uma vez que aponta para um cenário de coincidência entre democracia e território. Ao retirar os grupos armados que subjugavam a população das favelas, as UPPs abrem oportunidades de construção da ordem pública, de participação e moralidade dentro das casas.

– Tem que ter ação. A cidade e o poder público precisam se debruçar sobre essa questão, aproximar as camadas populares dos direitos.

Para Maria Alice Rezende de Carvalho, também professora do Departamento de Sociologia da PUC-Rio, as UPPs corroboram a existência de territórios, sendo caracterizadas por uma ação da política pública:

– O Estado vem sendo substituído por uma governamentabilização, de administração do bem-estar.

Vera Telles, do Departamento de Sociologia da USP, acredita que os territórios de pobreza estão sendo reformulados pelo mercado, ao passo que os mundos urbanos também estão sendo redefinidos e redesenhados. Para ela, esses espaços sofrem especulação financeira:

 Lucas Terra – Os territórios da pobreza são alvo de disputas pelo mercado, que testam o poder que as camadas pobres têm de operar.

Segundo Vera, com essa lógica do mercado atual, é preciso entender como uma vida se organiza em um meio de dívidas, com o crescimento do uso de cartões de crédito pelas classes C e D, o que ela chama de “financiar o fiado”.

– É a rede da dívida, da lógica do endividamento, até que isso entra em ponto de combustão: para pagar as dívidas, não importa de onde vem o dinheiro.

O Rio nos próximos eventos esportivos mundiais

Nos próximos cinco anos, a cidade viverá a expectativa de sediar duas grandes competições: a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016. Nesse período que antecede a realização desses eventos, muitos temas são levantados a respeito da preparação do Rio de Janeiro para se tornar o centro das atenções. Para o professor Marcelo Burgos, “os próximos anos no Rio serão decisivos para os próximos cinquenta”.

Segundo a socióloga Maria Alice, a sociedade perdeu a cidade que possuía, e a imagem comercializada mundo afora está perdida na imaginação das pessoas:

– O que tínhamos foi perdido, e o que começamos não foi terminado. A proposta de recuperação do Porto, largado nos anos 50 e 60, é importante (leia mais na reportagem Promessas para o Porto).

Distúrbios em Londres

 Lucas Terra A respeito da série de atos de vandalismo e confrontos nas últimas semanas em Londres e arredores, na Inglaterra, Maria Alice acredita que há um sentimento de injustiça e anseio por direitos, o que demanda um questionamento sobre o que é justo ou injusto no mundo contemporâneo:

– É preciso aplacar as xenofobias, o que fica difícil durante momentos de conflito. As ambiguidades da vida social dificultam a ordem urbana.

Para a socióloga, essas irrupções apontam para a necessidade de assentar a política nos debates sociais:

– Tiramos a política do campo visível. O social e o discurso conservador andam de braços dados, e o que pode mudar isso é a política.