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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Crítica de Cinema

Aventura do bruxo inglês é uma fábula pós-moderna

Miguel Pereira*

04/08/2011

Divulgação

O último filme da série Harry Potter, um sucesso inquestionável para a juventude de todo o mundo, conduz o espectador por veredas insuspeitas que retomam as linhas gerais da obra e a concluem num sistema moral que caracteriza as fábulas pós-modernas. Se o primeiro filme era ainda bastante circunscrito ao ambiente escolar, o último guarda apenas resquícios ou ruínas do original. Esta aventura final dos bruxos ingleses se materializa nos espaços de grandes arquivos em que teriam se tornado os ambientes vitais, diante da voracidade predadora dos homens que não têm medida em suas ambições de poder e domínio.

Nesse embate entre o bem e o mal, salvam-se algumas paisagens intocadas, como santuários de uma vida ainda possível em acordo com a natureza. Mas a tônica da narrativa é mesmo a bruxaria como o lugar das descobertas e de algum encantamento com um poder mágico que todos, um dia, desejamos ou imaginamos ter. É como potência de um elemento qualquer que se distribuem poder e prestígio entre os seres humanos. Na infância e até mesmo na juventude contemporânea, a ausência de perspectivas concretas de uma vida feliz acaba abrindo espaço para digressões de um sonho impossível e, com isso, abrir caminhos a uma imaginação delirante, como são os toques mágicos das bruxarias.

 Divulgação Muitas obras da literatura e do cinema já contaram histórias com essas características. Quem já não se imaginou com uma varinha mágica alterando o rumo dos fatos e das coisas? Fabular para o bem é tão constante como para o mal. Em todas as narrativas essa moral está presente. É quase universal. Assim, este Harry Potter e as relíquias da morte – Parte 2, de David Yates, conclui a façanha de tocar num imaginário carente de heróis e figuras de identificação. Os fatos de barbárie e desumanidade nos circundam. Quando pensamos que o horror que vimos ou testemunhamos pelos meios de comunicação foi o mais trágico, outro nos vem de um país considerado dos mais civilizados do mundo, a Noruega, onde um fanático assassinou, em nome de uma crença radical, mais de 70 pessoas. Passar, pois, por uma narrativa que mistura magia e horror em espetaculares efeitos especiais, acaba apaziguando os seres mais novos, ainda em formação, e transformando o ato de assistir a um filme num ritual que os reúne, num mesmo vocabulário e num igual encantamento pós-moderno. No gesto final da quebra da varinha de condão, essa dualidade entre o bem e o mal parece indicar um novo caminho para a humanidade superar o ceticismo e a descrença no futuro.

O fechamento da série, conduzido por David Yates, não foge à regra dos anteriores. Narrativa simples, como convém a um filme do gênero, com interpretações marcantes, como as de Meggie Smith e Emma Thompson, e até mesmo as caras de sempre, que cresceram com o filme, de Daniel Radcliffe e a dupla Rupert Grint e Emma Watson, que fazem um trio bastante adequado aos seus personagens. No conjunto, apesar de não se constituir num filme de maior impacto artístico, a série vale como busca de algo que nos falta a todos que desejamos um mundo melhor.

* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema