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Rio de Janeiro, 14 de junho de 2024


País

"Agora é disputar o espólio da Marina no Sudeste”

Juliana Oliveto - Do Portal

28/10/2010

Mauro Pimentel

A análise dos resultados do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil demonstra um número impressionante: em algumas regiões do país, a soma da abstenção com os votos nulos e brancos alcançou até 45% da votação. Para discutir o assunto e avaliar a geografia eleitoral do país nessa primeira fase do pleito, o Portal PUC-Rio Digital conversou com o professor Cesar Romero Jacob, do Departamento de Comunicação Social da universidade e coautor com Dora Rodrigues Hees, Philippe Waniez e Violette Brustlein do livro A geografia do voto nas eleições presidenciais no Brasil: 1989-2006.

Nesta entrevista, Cesar Romero, como é mais conhecido, ressalta a mobilidade da geografia do voto no município do Rio de Janeiro e a estabilidade da divisão eleitoral na cidade de São Paulo. A respeito da alta porcentagem de abstenção, votos brancos e nulos, o professor acredita que esse foi um dos fatores que impediram Dilma Rousseff de ter maior votação no primeiro turno. Segundo ele, agora os candidatos precisam “ganhar por ampla margem nas áreas que lhe são favoráveis, perder de pouco nas áreas que lhe são desfavoráveis e ir para a disputa na área onde está a competição, o Sudeste”.

Portal PUC-Rio Digital: Que relações podemos identificar ao analisarmos os mapas de Lula nas eleições de 2006 e de Dilma no primeiro turno de 2010?

Cesar Romero Jacob: Em relação à votação da Dilma (Figura 1), há um padrão muito semelhante ao de Lula na eleição anterior: uma boa votação na região Norte e Nordeste e em parte do Sudeste – Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro – e uma votação mais baixa nos estados da região Sul, Centro-Oeste e em São Paulo. Mas há nuances nesse processo e são essas nuances que mostram que a geografia não é estática, se modifica dentro desse padrão geral.

Portal: E quais são as principais mudanças?

CRJ: A grande mudança foi o fato de Dilma ter crescido nos estados do Sul e Centro-Oeste, o que não quer dizer que vá ganhar, mas significa que ela melhora o desempenho quando comparado com Lula (Figura 2). Esse crescimento você vê, por exemplo, no Rio Grande do Sul. Ela apresenta um crescimento de até 27 pontos percentuais em várias das microrregiões do estado e ganha no Rio Grande do Sul. Não só isso, melhora em Santa Catarina, no Paraná e no Centro-Oeste. A Dilma cresce na área do agronegócio e da economia de exportação em geral por razões diversas, ou por causa das medidas do governo Lula diante da insatisfação dos exportadores com o real valorizado em relação ao dólar, ou por causa de alianças políticas que a situação fez. Você, na verdade, tem duas formas de melhorar o desempenho: ou pelo bolso, quando o sujeito não reclama porque o bolso vai bem independentemente dos políticos, ou pelas alianças políticas que você tece. O Lula foi sagaz quando pegou uma mineira radicada no Rio Grande do Sul. Isso permitiu que ela vencesse nos dois estados. Isso é política, não é economia. Em resumo, Dilma vence nas mesmas áreas em que Lula venceu, mas quando você vai olhar o mapa existem nuances. Em contrapartida, Dilma cai em comparação com o Lula em outras regiões. Cai no Rio Grande do Norte e na Paraíba, como no Rio de Janeiro, no Espírito Santo e no leste de Minas Gerais. Cai também no oeste do Tocantins, onde a Marina foi muito bem votada e onde há forte presença de evangélicos pentecostais – assim como em Governador Valadares. Em linhas gerais poderíamos dizer que Dilma repete o padrão de votação de Lula, a média dela continua igual a do Lula, que teve 46% em 2002 e 48% em 2006, mas a geografia dos votos não é a mesma.

Portal: E como foi Serra em relação à votação de Geraldo Alckmin em 2006? Também segue o padrão?

CRJ: O caso de Serra é um pouco diferente porque a Dilma ficou dentro da média do PT das últimas eleições. Serra teve 23% nas eleições de 2002, Alckmin teve 42% em 2006 e Serra caiu para 33% agora (Figura 3). Ele perde 9 pontos percentuais quando comparado a Alckmin (figura 4). Na verdade, o padrão das boas votações é o mesmo – região Sul, Centro-Oeste e São Paulo –, mas quando nós pegamos o mapa do Serra, você vai ver que de um modo geral ele cai. A área de crescimento dele é menor do que a área em que ele cai. Ele cresce no norte do Rio de Janeiro, no Espírito Santo, em Governador Valadares, no sul da Bahia, e na Paraíba, mesmo sendo uma área tipicamente petista. Cresce também, por exemplo, no Acre, mas a média é mais baixa em relação às outras eleições. Evidentemente, Serra e o PSDB procuraram fazer alianças políticas, já que o crescimento pelo lado da economia seria mais complicado em meio ao contexto atual do governo PT, mas isso também não quer dizer que você não possa fazer alianças políticas e através delas tentar melhorar o desempenho do candidato, como, por exemplo, aconteceu com Serra na Paraíba e no Espírito Santo.

Portal: Mas e se compararmos a votação de Serra em 2010 com Serra em 2002, quando ele também foi candidato, quais foram as mudanças?

CRJ: No primeiro governo Lula, há uma enorme mudança na geografia eleitoral brasileira e a eleição de 2006 mostra que houve quase uma inversão. O Lula, que, em 2002, havia sido muito bem votado no Sul e Centro-Oeste, passou a ser muito bem votado no Norte e Nordeste. Por outro lado, o PSDB, que era muito bem votado no Norte e Nordeste, passou a ser no Sul e Centro-Oeste. Uma explicação é que no Norte e Nordeste os beneficiados não são só os que recebem o bolsa família, mas toda a economia regional onde se injeta os recursos. Ao se injetar dinheiro, aumenta o poder de compra da população. Isso vai beneficiar não apenas o dependente do bolsa família, mas toda a cadeia econômica que inclui o comerciante, o industrial...

Portal: Como a entrada de Marina Silva no cenário eleitoral deste ano causou alterações na geografia dos votos no Brasil?

CRJ: Quando você pensa na votação da Marina (Figura 5), você vai ver que, quando comparado a 2006, ela triplicou a votação em relação à Heloísa Helena, que teve 6% dos votos naquele ano enquanto a Marina conseguiu 19% agora. Então ela teve um discurso muito mais amplo que Heloísa Helena. Marina Silva não repetiu os erros de Heloísa Helena, que tinha um discurso muito contundente, assertivo, contra a corrupção. A Marina não faz esse tipo de discurso, ela foi suave, cativante, atraiu vários tipos de eleitores, insatisfeitos, decepcionados, mas também esperançosos. Quem são eles? Tucanos insatisfeitos com a campanha do Serra, porque muita gente que estava insatisfeita com o fato de Serra esconder o legado do governo Fernando Henrique Cardoso (1994 – 2002) votou na Marina. Mas também existiam petistas insatisfeitos com o governo Lula porque quando ele chegou ao poder não fez a revolução socialista que se imaginava. Fez, na verdade, um governo do tipo social-democrata. E, além disso, o eleitorado que votou em Heloísa Helena, 6%, ou que votou no Cristovam Buarque em 2006, 3%, portanto somando 9% dos votos, esse eleitorado foi para a Marina. E ela também fez um discurso que dizia que ela iria governar com o melhor do PT e do PSBD, que é uma forma de sair do “sanduíche de pão com pão”, de falar só para os ambientalistas. Ela não precisava convencer o convencido, mas ganhar outro tipo de eleitorado, o do PT e o do PSDB, fazendo um discurso cativante para os dois. Marina dizia que essa era uma luta onde os dois lados estavam se digladiando improdutivamente e seria preciso uma luz no fim do túnel, que seria ela. E ainda têm os verdes e, além deles, os evangélicos. Então há vários pontos no mapa como, por exemplo, no oeste do Tocantins e em Governador Valadares onde existe uma grande concentração de evangélicos. Então, ela atraiu tucanos insatisfeitos, petistas decepcionados, verdes e evangélicos. Mesmo que a Marina não tenha feito campanha para os evangélicos, eles fizeram campanha para ela.

Portal: Podemos notar nos mapas que os votos brancos, nulos e as abstenções atingiram níveis muito altos em algumas microrregiões, chegando a até 45% (Figura 6). A que o senhor atribui esse fenômeno e como isso pode ter influenciado no resultado do primeiro turno? Vai ocorrer novamente no segundo turno?

CRJ: Sem negar que a campanha dos grupos religiosos conservadores – católicos e evangélicos pentecostais – em relação ao aborto e ao casamento gay, certamente corroeu a popularidade da Dilma junto a esse eleitorado e sem negar que as denúncias de corrupção no governo enfraqueceram Dilma numa certa parte do eleitorado, a minha interpretação é que ela foi derrubada sobretudo por esse número grande de votos não-válidos e abstenções. Se você tem até 45% de eleitores que não votaram em nenhum candidato é um número muito alto, é quase metade do eleitorado. Significa dizer que no Nordeste quase metade do eleitorado não votou em um candidato. Se você observar o mapa de Serra, ele é mais bem votado nas áreas com menos abstenção. Então, se essa área com abstenção mais baixa é favorável ao Serra, significa dizer que ali ele levou o máximo de votos que poderia, já no caso da Dilma é o contrário. Se em vez de 45% de não-voto fossem 20%, você teria 25 pontos percentuais de mais gente votando. É claro que ela não levaria todos esses votos, mas levaria a maior parte porque a área dela já é uma área favorável e, claro, na área favorável você tende a ter mais votos a seu favor. Sem dúvida essa situação favoreceu Serra, porque a Dilma não teve seu melhor desempenho. Claro que ela teve no Maranhão 70% dos votos, mas poderia ter sido 80%, 90%, então ela poderia ter tido uma votação maior ainda. Por que não teve? Ela fez pouca campanha no Nordeste. A percepção era que ali o terreno já estava ganho. Serra também não fez campanha no Nordeste talvez porque já dava a região como perdida. Assim, você não teve uma grande mobilização do eleitorado no Nordeste. A minha interpretação é de que o que derrubou a Dilma foi, antes de tudo, isso. Mas o PT não vai dizer que houve um erro de estratégia, vai dizer que foram os grupos religiosos conservadores, as denúncias da imprensa... Mas o que a gente está vendo na campanha é que isso que essas denúncias não tem tanto poder assim, porque se tivesse a Dilma não estaria lá ainda com o mesmo tipo de eleitorado. Agora, Dilma e Serra precisariam ter exatamente a mesma estratégia, mas em áreas diferentes. Dilma precisa ganhar de muito no Norte e Nordeste, precisa perder de pouco no Sul e Centro-Oeste e ir para a disputa na região Sudeste porque é a área onde a Marina teve mais votos. Precisa aumentar a diferença nas áreas que venceu e perder de pouco, o mínimo possível, nas outras áreas. Serra precisa ganhar de muito no Sul e Centro-Oeste e perder de pouco no Norte e Nordeste. Qual a dificuldade dele? É que na área onde ele foi bem votado a abstenção não foi tão alta, então a capacidade de melhorar o desempenho dele é menor. Dilma, ao contrário, pode conseguir ter um desempenho melhor. Agora é disputar o espólio da Marina no Sudeste, que teve uma votação muito boa na região – indo de 26% a 42% dos votos em algumas microrregiões. O que vale para os dois é: ganhar por ampla margem nas áreas que lhe são favoráveis, perder de pouco nas áreas que lhe são desfavoráveis e ir para a disputa na área onde está a competição, o Sudeste, onde houve o melhor desempenho de Marina. Com 44% do eleitorado, é lá onde está a disputa, o restante das forças já estão mais ou menos definidas.

Portal: Como se explica o fato de, nas últimas eleições, o perfil da votação de Minas Gerais ser correspondente ao nacional?

CRJ: A única explicação razoável é de que Minas é um estado meio Nordeste, meio Sudeste. A metade Norte tem mais discrepância de educação e renda, a metade sul tem menos diferenças. De Belo Horizonte para cima – até a divisa com a Bahia – é uma realidade, de Belo Horizonte até a divisa com São Paulo é outra realidade. Minas Gerais tem um pedaço Nordeste, como o Vale do Jequitinhonha, por exemplo, e toda a metade norte do estado é mais pobre – integrando, inclusive, a Sudene. E existe a metade sul, que tem um padrão mais parecido com São Paulo. Na média, Minas tem os dois lados, dentro dela tem o Nordeste e o Sudeste desenvolvido, então isso poderia ser a explicação para o desempenho representativo.

Portal: Com relação ao município do Rio de Janeiro, como podemos explicar a distribuição dos votos dos candidatos no primeiro turno?

CRJ: No caso do Rio de Janeiro, o PT e o PDSB são e sempre foram débeis. Com isso, ambos os partidos dependem das alianças feitas. A votação do Lula, por exemplo, foi mudando em função das alianças. Dilma vai ter tons mais fracos nas áreas mais ricas (Figura 7) – São Conrado, Ipanema, Leblon e Copacabana –, mas vai ter uma ótima votação nos grandes complexos existentes na zona da Leopoldina – Bonsucesso, Ramos, Olaria e Penha. Vai ter ótimas votações nas áreas mais populares da cidade por conta do “PAC/Minha casa, minha vida”.

Quando você vê o mapa da votação de Serra (Figura 8), ele vai ter seu melhor desempenho nas áreas mais ricas da cidade – São Conrado, Ipanema, Leblon, Copacabana e Tijuca. O Rio de Janeiro é muito segmentado, são várias cidades dentro da cidade, por conta de renda, escolaridade... Quando eu comparo, por exemplo, Dilma com Lula, você pode ver que ela cresce até 12 pontos percentuais. Onde? Na área do PAC. Mas, no geral, Dilma cai em grande em grande parte da cidade, como ocorre com Serra, por causa da Marina. O que você pode concluir é que Dilma cresce em alguns lugares e cai em outros. O Serra perde em todos. Isso porque a Marina levou grande parte desses votos.

Portal: E como foi na cidade de São Paulo?

CRJ: Em São Paulo, Dilma tem até 65% dos votos nos tons mais fortes (Figura 9). Isso é a periferia da cidade. Além disso, ela tem um padrão muito baixo, de 13% a 16%, na parte mais rica. Isso se repete sistematicamente ao longo de todas as eleições. O percentual pode variar um pouco, mas o PT cai na medida em que caminha para o centro e os tucanos crescem no centro e caem quando caminham para a periferia da cidade. Um é o negativo do outro. Se eu pegar o mapa do Serra (Figura 10), ele tem até 67% dos votos no centro. Isso tem a ver com a escolaridade e a renda, ou seja, no mapa da renda você vê que no centro estaria o PIB brasileiro, a FIESP em peso estaria ali. O PSDB é o partido preferido da elite empresarial paulista. Preferido, não estou dizendo que é o partido da elite empresarial. E o PT é o partido preferido da elite sindical que está no ABCD paulista, em Guarulhos e em Osasco. Há um cinturão industrial e São Paulo é o centro do capitalismo, tem 1/3 do PIB brasileiro, 22% do eleitorado... Onde tem capitalismo você tem elite empresarial e elite sindical, os dois lados.

Essas duas elites muitas vezes confluem para interesses em comum, como, por exemplo, quando se retira o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos automóveis e da linha branca. Era do interesse dos sindicalistas e dos patrões que o governo federal retirasse o IPI dos automóveis, e onde está a indústria automobilística? No entorno de São Paulo. Onde está a produção da linha branca? No entorno. Isso garante o interesse da empresa e os interesses dos trabalhadores. Onde divergem? Em muitas coisas, como, por exemplo, nas 40 ou 44 horas de trabalho, e aí os lados se confrontam. Em São Paulo, o PSDB é forte no centro, e o PT é o seu contrário, no entorno. Isso porque o sindicalismo que está ao redor influencia o voto na periferia, só que a gente já viu que a renda mais alta está no centro.

Portal: Ou seja, a polarizacão PSDB e PT se origina da disputa paulista...

CRJ: Em São Paulo, tanto o PT quanto o PSDB são partidos mais bem estruturados. São Paulo tem um terço do PIB, tem um quinto do eleitorado, é o centro do capitalismo. Logo, como centro do capitalismo, tem a elite empresarial e a elite sindical, tem a FIESP e tem a CUT. A principal força política do estado é o PSDB e, em segundo, o PT.  Com isso, não existe espaço para as terceiras vias. Como ela não existe, não há possibilidade de você imaginar que a partir da Amazônia, dos povos da floresta do Acre, surja a terceira via, porque o eleitorado é pequeno. Não que a tese não seja importante, não que a causa não seja importante. Mas o problema é que São Paulo condiciona o voto para os dois lados. E o que acontece é que o PT e o PSDB disputam o apoio das elites atrasadas, das elites tradicionais. As oligarquias, os políticos populistas, os pastores pentecostais... Ou seja, disputam quem vai comandar o Brasil atrasado. Os dois partidos são modernos, mas dependem do apoio desse Brasil atrasado, porque o Brasil não é São Paulo. Há um Brasil atrasado que é real e que precisamos lidar com ele. Como é que se lida? Você tem que fazer aliança com ele, sem a qual você não ganha, ou não governa. Então, os dois lados buscam liderar esse Brasil atrasado dos grotões, porque existem quatro quintos do eleitorado fora de São Paulo, existem dois terços do PIB fora de São Paulo. Esse é o país que a gente tem, não adianta brigar com os fatos.