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Rio de Janeiro, 15 de junho de 2024


Cidade

Um carnaval, três destinos

Evandro Lima Rodrigues - Do Portal

11/02/2010

Mauro Pimentel

Noel Rosa no samba de sua autoria “Com que roupa que eu vou pro samba que você me convidou?”, já questionava sobre uma dúvida comum no carnaval. É pedindo licença ao sambista para parodiar sua composição, que outra dúvida é lançada. Nesta época de samba e folia, pra onde vou? Entre a agitação das praças e avenidas e a calmaria de um local reservado, Fabiana Cruz, Priscilla Monteiro e Ana Penalber decidiram seus roteiros. Na euforia da escola de samba em que Fabiana integra uma ala, na descontração do bloco de rua que Patrícia é percussionista ou na meditação do retiro espiritual de Ana, cada uma fez de sua preferência, um carnaval para muitos gostos.

Mais uma vez ela vai pisar na avenida

"Mulheres de luta, as filhas da guerra / Em noite de lua, evocam a terra. A Deusa Senhora de todo lugar / Do ventre a vida depois de enamorar". A letra do samba-enredo de 2010 da escola do Grupo de Acesso Acadêmicos da Rocinha tornou-se a trilha sonora que vem embalando o trabalho de Fabiana Cruz desde quando foi lançada há um mês. É cantarolando nos corredores que a funcionária da Sodexo, empresa responsável pelo “Bandejão” e limpeza da PUC-Rio, se prepara para defender sua escola de bairro. Este ano, com um motivo especial, pois se a escola canta mulheres de luta, o ventre, a vida, ela também retrata Fabiana, que “depois de enamorar”, vem para a avenida carregando no ventre a vida de Andressa. Ela está no terceiro mês de uma animada gravidez.

Faltando os últimos detalhes da fantasia doada pela escola, e já afiada com o samba – resultado da frequência nos ensaios e de tanto ouvir o CD com a gravação –, Fabiana dá início a outro preparativo: o pré-natal. Ela, que já é mãe de Letícia, de 15 anos e Andrei de 7, reconhece a importância desse cuidado para que mãe e filha, na avenida e fora dela, sejam nota máxima em todos os quesitos. E para quem pensa que ensaios e avenida não são uma boa combinação com gravidez, Fabiana tem a prescrição:

– É só não fazer muita extravagância.

Para o marido de Fabiana, Ramon Cruz, pouca extravagância é impossível. Adepto do descanso no carnaval, tentou impedir que a mulher desfilasse. Segundo ela, com a “desculpa” de preservar a saúde da filha. Em meio ao conflito familiar, é aqui que aparece a Fabiana, “mulher de luta”. Como uma valente guerreira, conseguiu convencer o marido. Sua arma, um infalível discurso:

– Você já me conheceu desfilando. Gostou de mim assim, agora tem que aceitar. Mas se não quiser, você pode escolher em ficar comigo e o carnaval, ou não ficar...

Ramon ficou.

E será no dia 13/02 (sábado), na Marquês de Sapucaí, que mãe e filha se divertirão na opção de carnaval que escolheram. Ou, ainda, que a mãe escolheu pela filha. Afinal, se depender da mãe o futuro de Andressa na avenida é destino garantido.

E o bloco foi pra rua

“Se benze que dá”. O que parece um convite à oração é na verdade o nome do bloco de rua em que Priscilla Monteiro é membro e fundadora. Aluna do curso de Psicologia na PUC-Rio e moradora do bairro da Maré, foi junto com mais quatro amigos que teve a iniciativa de fundar o bloco que este ano completa seu quinto carnaval.

  Arquivo pessoal

Assídua dos tradicionais blocos cariocas, a ideia de montar a própria agremiação surgiu com um telefonema, na verdade com cinco, conta Priscilla.

– Meus amigos estavam tentando compor um samba por telefone, e me ligaram para dar alguma sugestão. Entre versos e brincadeiras, nasceu mais que um samba.

“Se benze que dá” traz este ano em seus versos uma crítica ao Sistema Único de Saúde. Aliás, é um diferencial do bloco, vestir a camisa da crítica social. “Tu vai no SUS e toma um susto de matar...”. Enquanto esses versos serão cantados, Priscilla estará na percussão tocando tamborim.

– Gosto da batida, dos sons, da alegria. Sempre tive vontade de sair na percussão de um grande bloco e ainda vou sair, mas hoje estou feliz aqui - afirmou.

E é com uma batida forte, com um samba transformado em “grito de reivindicação”, como prefere Priscilla, que “Se benze que dá” tomou conta das ruas da Maré. A prévia foi no último sábado (6/02). Foi personificando o nome do bloco, com o sinal da cruz, que todos os componentes deram o pontapé inicial da folia.

Foi pedido mais que um minuto de silêncio

Ela já virou noites na Sapucaí e dias em blocos de rua. Entre os batuques, marchinhas e trios elétricos que animavam seu carnaval, hoje ela prefere o silêncio. Há cinco anos Ana Maria Penalber trocou a agitação dos dias de folia pela calmaria de um retiro espiritual. Assessora administrativa do Centro Loyola de Fé e Cultura, ela explica que o retiro faz parte de uma iniciativa da Casa de Oração “Cura D’Ars”, de São José dos Campos (SP).

– São seis dias em que os participantes buscam um encontro profundo com Deus a partir dos exercícios espirituais escritos por Santo Inácio de Loyola - afirmou Ana Maria.

Divididos em quatro etapas, os exercícios espirituais são modalidades de oração escritas no século XV. São resultados de uma experiência que Santo Inácio pôs em prática e que levou a sua conversão ao catolicismo. Idealizados para durar um mês, foram adaptados para períodos menores, com o intuito de atender às necessidades de quem não dispõe de muito tempo.

 Mauro Pimentel

– O retiro de seis dias é um resumo das quatro etapas, em que se aproveita o período de recesso prolongado no carnaval para realizá-lo – explica Ana Maria.

Longe das praças e avenidas, é num sítio reservado do movimento urbano que ela se junta a um grupo diversificado. Homens, mulheres, jovens ou não, têm em comum a opção que escolheram e às regras que terão de obedecer.

Respeitar o espaço do outro e cumprir com os horários estabelecidos são regras simples diante da recomendação maior: o silêncio absoluto. Cada participante tem direito a apenas 30 minutos por dia para conversar com o orientador espiritual do encontro.

Para Ana Maria, a importância do silêncio é a oportunidade de ouvir.

– Num canto afastado, onde só a natureza se manifesta, a mente se abre à reflexão. O que posso aprender vai depender da entrega, de escutar o que Deus particularmente tem a me dizer – afirma.

Coordenado este ano pelo padre José Maria Fernandes, SJ, o retiro terá início na sexta-feira (12/02), e vai até o dia 17. E se a Sapucaí ou os blocos são as preferências do seu carnaval este ano, quem sabe no próximo, o retiro não seja uma nova opção. Para quem interessar, o contato pode ser feito pelo telefone (12) 9717-0702 ou diretamente com o Centro Loyola de Fé e Cultura (Estrada da Gávea, nº 1 – Gávea. Telefone: (21) 3527-2010). Quem faz o convite é Ana Maria.