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Rio de Janeiro, 14 de junho de 2024


Economia

Mulheres seduzem mercados tradicionalmente "masculinos"

Caroline Hülle - Do Portal

08/11/2011

 Arte: Jefferson Barcellos

Construção civil, arbitragem, preparação de sushi. Profissões tradicionalmente dominadas por homens abrem mais espaço para elas. Dos 43,3 milhões de empregados formais no Brasil, 17,9 milhões são mulheres. Embora ainda se revele insuficiente para equilibrar a balança das remunerações, a projeção feminina – impulsionada, sobretudo, nas quatro últimas décadas – alcança cargos executivos, presidências, lideranças mundiais, e mercados historicamente caracterizados pela hegemonia masculina. Na construção civil, por exemplo, a participação feminina aumentou de 51.587 para 92.298 em quatro anos. Números que se refletem nos corredores universitários: saias, outrora raras, estão mais comuns entre os futuros engenheiros. 

Pai construtor, Elaine Garrido convive com obras desde os 8 anos. A engenheira civil acredita que "atualmente as mulheres são bem recebidas no mercado", mas ressalva: "brincadeiras machistas vão continuar". No entanto, "a competência e o comportamento profissional prevalecem".

– Em algumas áreas, ainda há um pouco de resistência com a atuação da mulher – observa – Mas é importante buscar o que se quer, independentemente do sexo – completa a engenheira, de 39 anos.

Para a coordenadora de Desenvolvimento de Recursos Humanos da PUC-Rio, Tereza Milagres, percebe-se uma segunda etapa na crescente inserção feminina no mercado:

– Primeiro, as mulheres conquistaram mais espaço não só por questões ideológicas, mas por sobrevivência, necessidade financeira. Agora, elas buscam realização profissional. Assim, passam a ocupar também áreas tradicionalmente masculinas. Aliás, as profissões "masculinas" deixaram de ser "masculinas" quando as mulheres começaram a trabalhar fora de casa e aproveitar as oportunidades profissionais. 

Grande parte dessas oportunidades, apontam pesquisas recentes, está no comércio, setor em que a mulher começa a superar participação masculina. Outras oportunidades, como a conquistada pela juíza de futebol Simone Xavier, derivam da coragem em superar costumes e desconfianças. Acostumada a driblar a vaidade (ou a inveja) masculina jogo após jogo, Simone acabou “por acaso” no curso de arbitragem da Fifa. Aceitou a sugestão de um professor do curso de Educação Física. A iniciativa despretensiosa transformou-se em paixão e rotina. Apesar do preconceito e das piadas renitentes, Simone dá cartão vermelho para a intimidação.           

– Já escutei coisas absurdas, desde gracinhas ditas por jogadores até provocações da torcida. Certa vez, um jogador me disse: “Se me der um cartão vermelho, vai ser melhor, porque eu vou embora logo, tomo banho e te espero cheiroso”. Mas, em geral, as juízas e auxiliares conseguem se impor nos primeiros cinco minutos de jogo – conta a árbitra, que já apitou jogos da Copa Libertadores da América.

Tereza Milagres reconhece que ousadia e paciência são essenciais à conquista de novos espaços, mas ressalta que o perfil cuidadoso e o "comprometimento" mostram-se igualmente úteis ao crescimento profissional feminino. Para a especialista em RH, essas virtudes se convertem em trunfos competitivos:

– Em geral, a mulher é mais cuidadosa e comprometida profissionalmente. Talvez uma herança do papel de mãe. Tais atributos são valorizados pelo mercado.  

A sushiwoman Marcília Silveira, de 27 anos, também teve de superar a desconfiança e a hegemonia masculina. Começou a preparar os pratos como ajudante de cozinha, até dominar as técnicas desse ofício dominado pelo homem. Convicta de suas habilidades, ela não se importa quando alguém diz que as mulheres não podem fazer sushi por causa da temperatura (mais alta) das mãos.

– Depende da pessoa. Quem tem mão quente, se ficar segurando a alga por muito tempo, deixará a peça "derreter". Eu já ouvi cliente elogiando, dizendo que ficou melhor do que quando os meninos fazem – orgulha-se Marcília.  

Aos 36 anos, a carioca Simone sente-se confortável em trabalhar nos grandes centros urbanos, onde a associação entre mulheres, esportes e futebol já é "comum, natural". Ela percebe, porém, preconceitos resistentes em áreas mais afastadas ou menos cosmopolitas:

– Nos estados que ficam mais para o Centro Oeste, por exemplo, é muito difícil apitar. Lá o futebol ainda é muito machista. Ainda se ouve que as mulheres têm que pilotar fogão, lavar tanque de roupa suja, esse tipo de coisa.

Filha de dono de uma construtora, Elaine “não tinha muita escolha” sobre a carreira. Louca por obras, ela reconhece que o ambiente "muito masculino" exige das mulheres competências além das inerentes ao ofício propriamente dito. Segundo a engenheira, uma das adaptações remete à forma de vestir: “é impossível ir ao canteiro de obras de saia ou vestido”.

– Além de mudar as roupas, eu me acostumei a ir ao banheiro 7h e 19h, pois lá não há espaços separados – acrescenta.

Ainda de acordo com a engenheira, empresas maiores já perceberam a necessidade de “cuidar melhor” das mulheres e reservar espaços separados para os banheiros. Apesar das dificuldades, Elaine, assim como Simone e Marcília, nem de longe pensa em mudar de profissão:

– Tem que gostar muito de trabalhar em obra, senão... – admite – Acho interessante modificar o ambiente, o espaço vazio que toma forma e dá conforto às pessoas. Quando termino uma edificação, me sinto realizada.